Perdão sem limites!
As leituras deste domingo tratam de um assunto importante para o relacionamento humano, que é o “perdão”. A rigor, este é um ensinamento presente em todas as religiões, que mandam perdoar as faltas cometidas pelos outros. No entanto, somente o cristianismo ordena perdoar também aos inimigos, a exemplo de Cristo.
É interessante que este tema venha justamente hoje, 11 de setembro, quando lembra-se a tragédia do ataque terrorista às torres gêmeas nos Estados Unidos, o que provocou imediatamente um movimento de retaliação do Governo Bush ao Afeganistão, onde supostamente teriam sido treinados os terroristas. O mesmo fato provocou uma onda de suspeita aos árabes e aos muçulmanos em geral.
É muito difícil definir “perdoar”. O dicionário traz diversos significados: 1. Conceder perdão, absolver da pena; 2. Isentar de dívida; 3. Aceitar, suportar, tolerar; 4. Perdoar. A maioria das pessoas entende “perdoar” como “esquecer”. O que seria, afinal de contas?
Bem, o fato é que “perdoar” não é simplesmente “esquecer”, pois isto é humanamente impossível. O mal sofrido jamais será esquecido, e quanto maior for sua gravidade, mais difícil será esquecê-lo. Além disso, por vezes, ele deixa sequelas físicas ou emocionais, ou ambas!
Poderíamos, assim, dizer que quem “perdoa” não esquece nunca, mas a carga emocional relativa ao ocorrido vai diminuindo de intensidade aos poucos. Por exemplo, o falecimento de um membro querido da família jamais será esquecido, mas a carga emocional presente no dia de seu sepultamento não será a mesma na celebração do seu 10º aniversário de falecimento.
A primeira leitura (Eclo 27,33-28,9) faz um elogio do perdão. É uma evolução no ensinamento do Antigo Testamento, pois outros textos tentam disciplinar a vingança, fazendo com que ela seja proporcional ao mal sofrido. É a tal da “lei do talião”, cujo princípio é o “olho por olho, dente por dente” (Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21).
A leitura ensina algo que é constatado pela psicologia moderna e aparece em muitos livros de auto-ajuda, isto é, que rancor e ódio não fazem bem a ninguém (Eclo 27,33). De fato, estes sentimentos negativos fazem mal a quem os têm, enquanto que a pessoa que é objeto deles, está feliz da vida!
No Evangelho (Mt 18,21-35) Pedro pergunta a Jesus quantas vezes deve-se perdoar o erro do próximo. E ele mesmo dá a resposta: “Sete vezes”? (Mt 18,21). Os rabinos do tempo de Jesus divergiam sobre quantas vezes deveria se perdoar, mas todos estavam de acordo no seguinte: após a quarta vez, tem que haver uma punição. Pedro utiliza o número “sete”, não matematicamente falando, mas simbolicamente, pois este número indica perfeição, significa “sempre”. Jesus responde, citando uma frase do Antigo Testamento, onde Lamec, filho de Caim, fala da vingança sem limites: “Eu mato a quem me arranhou! Mato uma criança que me pisa no pé! Caim será vingado sete vezes, Lamec setenta vezes sete!” (Gn 4,23-24). Portanto, Jesus afirma que o perdão não tem limites, nem de vezes a perdoar, nem de conteúdo a ser perdoado. Portanto, Ele inverte a lógica de Lamec: à vingança sem limites, Ele propõe o perdão sem limites.
Por nós mesmos, abandonados somente às nossas forças, jamais conseguiríamos viver esta nova lógica. O perdão cristão tem sua fonte em Deus. E para ilustrar isto, Jesus conta a parábola do patrão que perdoou uma enorme dívida de seu empregado, enquanto este não foi capaz de perdoar uma quantia irrisória que um amigo lhe devia (Mt 18,23-35). Observe que a relação patrão-empregado foi permeada pelo perdão, apesar da distância entre ambos; por sua vez, a relação amigo-amigo, que naturalmente deveria guiar-se por esta lógica, não o foi. Vemos, assim, que há pessoas que recebem o bem, e pagam com o mal. Estes são os malvados. Há aqueles que pagam o bem com o bem, e o mal com o mal, na mesma proporção. Estes são os justos. E há os que respondem ao mal com o bem. Estes comportam-se como filhos de Deus, que faz o sol nascer sobre bons e maus, justos e injustos (Mt 5,45)!!
Na segunda leitura lemos mais um trecho da carta aos Romanos (Rm 14,7-9). Nos versículos que antecedem aos que temos na liturgia, Paulo fala de dois grupos presentes na comunidade dos romanos. Um, que ele chama de “fracos na fé”, e outro grupo, mais instruído (14,1-2). Ele recomenda “tolerância” para com os mais fracos na fé, a fim de que não sejam escandalizados com o comportamento dos demais. E recorda o princípio da unidade, de que todos, vivos ou mortos, pertencemos a Cristo (14,7-8).
Enfim, somente na união com Deus, seremos capazes de perdoar. Recordemos o ditado: “Errar é humano, perdoar é divino”