O que temer?
O título deste artigo se presta a duas perguntas, diante do Governo que se instaurou com o afastamento temporário da Presidente Dilma Rousseff. A primeira delas é: “O que temer?”. Dentre outras coisas, pode-se temer deste Governo a mudança nas regras da aposentadoria, um retrocesso nos programas sociais, a criminalização dos movimentos sociais e uma virada neoliberal na política econômica que tente diminuir o tamanho do Estado por meio das privatizações, dentre outras coisas. Outra pergunta poderia vir de pessoas que se enrolaram na bandeira nacional e marcharam na Avenida Paulista e outras capitais e cidades gritando “fora Dilma!” e agora, com espanto, dizem ao Presidente interino: “O que, Temer?”, decepcionadas com o ministério que ele formou e os primeiros atos do novo Governo.
O Presidente interino tem, por isso, a difícil missão de conquistar a credibilidade da sociedade brasileira, mormente da parcela que apoiou o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, porque nem todos os que gritavam “fora Dilma” diziam “fica Temer”. O “panelaço”, “apitaço” e “buzinaço” ocorridos em várias capitais e cidades durante sua entrevista ao Fantástico no domingo, 15 de maio, passado foram provas disto, embora isso não tenha sido noticiado pela grande mídia televisiva, como acontecia quando o mesmo fato ocorria durante pronunciamentos da Presidente afastada. Os motivos são óbvios, pois é praxe destes meios de comunicação divulgar exaustivamente somente o que lhes interessa.
Ainda como Vice-Presidente da República, foi vazado para a grande mídia um áudio de um suposto discurso de posse de Michel Temer (muitos acham que propositalmente), em que ele se dizia pronto para assumir o cargo de Presidente e, dentre outras coisas, alertava a população que haveria sacrifícios para tirar o país da situação em que se encontrava. De início, ele afirmava em entrevistas que iria formar um ministério de “notáveis” nas diversas áreas, para movimentar a economia, retomar o crescimento econômico e gerar empregos. Depois, viu-se obrigado a se submeter ao histórico fisiologismo dominante nas relações entre o Executivo e o Legislativo, para conquistar e manter uma base de deputados e senadores que garantiriam a aprovação de projetos econômicos impopulares que estão para desembarcar no Congresso. Por causa disso, nomeou pessoas indicadas por partidos políticos para os cargos do primeiro escalão do Governo.
Desta maneira, o Brasil começou o dia 12 de maio com um novo Governo formado por 23 ministros, dos quais 11 já o haviam sido nos governos Dilma e Lula. Acrescente-se a isso que, dos 23 ministros apresentados no primeiro dia de governo, sete são investigados na Lava Jato e outros têm inquéritos em outras instâncias. Dos empossados, já caíram dois ministros, flagrados por gravações onde discutem com um dos delatores desta operação como barrar as investigações em curso no tribunal de Curitiba e no Supremo Tribunal Federal em Brasília e um outro por receber propina. Por fim, a espada de Dâmocles está sobre a cabeça de Renan Calheiros, Eduardo Cunha e José Sarney, caciques do PMDB, também acusados de conspirar contra a Lava Jato.
Nenhum cidadão de bom senso pode enveredar pelo discurso de que “quanto pior, melhor”, pois a torcida de todos é para que esse Governo dê certo apesar dos pesares, pois isto beneficiaria a todos os brasileiros, mas as perspectivas não são animadoras. Além das nomeações acima mencionadas, falta credibilidade ao Governo tido como golpista, especialmente depois da divulgação da conversa gravada em que se fala de um “acordão” político para barrar a operação Lava Jato. Uma coisa, porém, é certa: se alguém tiver que perder algo, esse será o povo, pois os que estão no Poder e os que gravitam em torno dele, nunca perdem. É esperar para ver.
Pe. Antonio Aparecido Alves
Pároco da Paróquia São Benedito, no Alto da Ponte,
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Gregoriana/Roma e
Doutor em Teologia pela PUC-Rio
Excelente comentário.