O diálogo entre Igreja e Sociedade moderna
A partir do renascimento, aconteceu um processo de distanciamento entre a Igreja e a nascente sociedade moderna. Com relação à Igreja, isto provocou um processo de fechamento ad intra, de tal forma que ela perdeu a oportunidade de fazer-se presente nesta etapa da história da humanidade, dando sua contribuição para o novum que estava surgindo.
Dois fatos são emblemáticos desta atitude eclesial. Um, de cunho teórico, e outro, no plano político. No âmbito teórico, tem-se a encíclica Quanta cura (08/12/1864), de Pio IX, que trazia o Syllabus errorum, isto é, uma lista de erros do mundo moderno, sendo que o último deles, o 80º, afirmava que seria anátema quem afirmasse que o Romano Pontífice poderia e deveria reconciliar-se com o mundo moderno.
No plano político, tem-se a queda dos Estados Pontifícios, em 1870, sob o mesmo Papa, e o surgimento da “Questão romana”, isto é, o Papa enclausurando-se no Vaticano, não reconhecendo o Reino da Itália e reclamando a devolução dos domínios papais.
Tal atitude de difidências e condenações mútuas entre Igreja e sociedade moderna perdurou por décadas. No entanto, foram paulatinamente sendo questionadas e revistas, seja pelos movimentos teóricos de renovação teológica do início do século XX, como também na prática, pelos Pontificados de João XXIII e Paulo VI e, finalmente, tematizados na Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), sobre a Igreja no mundo de hoje, que recolheu toda esta vasta reflexão.
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes representa um marco no percurso da abertura da Igreja ao mundo contemporâneo, na linha do programa de aggiornamento, auspiciado por João XXIII e levado avante por Paulo VI. Ele é a expressão da reflexão dos Padres conciliares, que à luz da fé, tematizaram tudo que já vinha de um longo caminho, sobre a necessidade de um diálogo entre a Igreja e Mundo.
A nova postura eclesial inaugurada pelo Concílio Vaticano II e tematizada na Constituição Pastoral Gaudium et Spes coloca a Igreja no meio do mundo, comungando com a história da humanidade. Ela não quer mais olhar o mundo de fora, mas participar com todos, na construção do Reino de Deus, oferecendo, para isto, sua contribuição.
Os “sinais dos tempos”. Valorizando a história, tem-se um acento na categoria teológica de “sinais dos tempos”, tão importante para balizar um diálogo entre Igreja e sociedade moderna. Esta foi uma grande intuição de João XXIII que chegou ao Concílio Vaticano II e foi recolhida na Gaudium et Spes, sob dois prismas: pastoral (GS 4) e teologal (GS 11).
Reconhecendo a sacramentalidade da história, afirma-se a necessidade de descobrir, no momento presente, os sinais da presença de Deus nas realidades temporais. A Igreja não está à margem destes acontecimentos, mas participa deles, comungando as aspirações das pessoas de nosso tempo. Tudo o que é autenticamente humano tem em Deus a sua fonte e, por isto, a missão da Igreja é humana, em seu mais alto grau.
Enfim, o modelo de relacionamento da Igreja com a sociedade moderna, que devemos buscar, à luz da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, não é de justaposição ou de contraposição, mas de presença enriquecedora, superando o que perdurou durante séculos e foi insuficiente para uma correta compreensão desta relação. Não tenhamos medo de ir em direção da “grande cidade” (Jn 1,2).
Pe. Antônio Aparecido Alves
Mestre em Ciências Sociais e Doutor em Teologia.
Pároco da Paróquia São Benedito, Alto da Ponte – SJC