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A Voz do Pastor › 06/09/2024

Palavra da Salvação

A cada ano, na Igreja do Brasil, recordamos com muito amor e celebramos com ainda mais fervor a presença da SANTA PALAVRA DE DEUS em nossa vida e na vida da Igreja. Deixemo-nos guiar pelo que Deus quer e manda, em sua santa Palavra.

O Verbo eterno e o silêncio de Deus

A expressão “Palavra de Deus”, no seu uso corrente, corre o risco de ser banalizada. Refere-se, quase exclusivamente, ao texto escrito da Sagrada Escritura, rezada na oração oficial da Igreja, proclamada na Liturgia, lida pessoalmente e em grupo/comunidade. E todos conhecemos os limites deste uso da Sagrada Escritura. A expressão raramente se refere à Palavra da Igreja, à riqueza da Tradição, à mensagem dos acontecimentos da nossa vida; e raramente, com aquela expressão, nos referimos à Palavra eterna de Deus, ao que Deus, na densidade do Seu mistério, pensa, quer, deseja para nós, tem para nos dizer.

E, no entanto, esse é o sentido primeiro e decisivo da expressão “Palavra de Deus”. Todas as outras concretizações pertencem já ao mistério da Encarnação, em que Deus exprime, para nós, a Sua Palavra eterna em linguagem humana. E esta só será, para nós, Palavra de Deus, se nos fizer escutar o Senhor, se nos fizer tocar no coração de Deus e entrar na Sua intimidade. Só então a Palavra de Deus é criadora e redentora, transforma a nossa vida e nos leva a vivê-la em Deus, com Deus, partilhando da Sua verdade e do Seu amor.

Na situação histórica da humanidade nós só chegamos à noção da existência desta Palavra eterna de Deus, desta mensagem do coração de Deus através da Encarnação, da revelação, que é abertura do coração de Deus em linguagem humana. Jesus Cristo é a plenitude dessa humanização do Verbo eterno, dessa revelação íntima de Deus. São João exprime este itinerário de Deus para Se revelar ao homem: “A Deus nunca ninguém O viu; o Filho único, que está no seio do Pai, deu-no-l’O a conhecer” (Jo. 1,18).

E Jesus Cristo é a plenitude de um processo expresso na palavra profética, na ação de Deus em favor do Seu Povo, na Sua manifestação íntima ao coração dos crentes. Só através de Jesus Cristo e de toda a história da salvação temos acesso ao coração de Deus. Mas uma vez que o tivermos, somos convidados a mergulhar, pela fé e pelo amor, nessa insondável Palavra eterna de Deus, a única que nos salva e nos conduz à plenitude da vida. A afirmação de São João fala-nos do silêncio de Deus, do segredo do Seu mistério, mas também da possibilidade de quebrar esse silêncio e desvendar esse segredo, entrando em diálogo com Deus, em Jesus Cristo. Ele revela-nos Deus, ou melhor, Deus revela-Se-nos n’Ele. E revelar significa abrir o coração, comunicar uma intimidade que só o próprio pode partilhar. Mesmo entre nós, humanos, ninguém pode forçar a intimidade do nosso coração. Só o próprio a pode revelar, em plena liberdade, sabendo que abrir o coração é dar a outrem entrada no mais íntimo da nossa vida.

O Verbo eterno na vida íntima de Deus

Palavra sugere comunicação entre pessoas. Na sua plenitude de sentido, significa comunicação total entre pessoas que se amam e partilham tudo, não têm segredos umas para as outras. Ao termos tomado consciência, em Jesus Cristo, que Deus é uma comunidade de Pessoas, em perfeita comunhão de vida e de amor, podemos intuir que entre essas Pessoas há comunicação, há palavra. Santo Agostinho, que se lançou nessa aventura de, a partir da revelação e da fé, perscrutar a intimidade de Deus Trindade Santíssima, fala-nos de uma revelação contínua entre as Pessoas divinas. Deus Pai diz-Se contínua e totalmente no Filho; este acolhe esse dizer-se de Deus com amor, no amor que entra na relação como Pessoa, o Espírito Santo. Por isso o Filho Se identifica totalmente com a Palavra, Ele é o Verbo. Só em Jesus Cristo nós podemos escutar o Pai e só o faremos plenamente com amor e no amor, no Espírito.

A Encarnação, que é caminho de revelação e que tem a sua plenitude em Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito homem, significa que esse diálogo intra-divino, pode alargar-se às criaturas. “Com Agostinho (…) podemos dizer: porque dentro de Deus há uma palavra que é expressão total da divindade, é possível uma acção eterna que seja o reflexo parcial e multiplicado da divindade”. Este diálogo das Pessoas divinas alargado para fora de Deus, exprime-se, antes de mais, na Criação. Deus cria para alargar essa experiência de diálogo e de comunhão. Mais, a Criação é fruto desse diálogo “intra-divino” o que a torna, toda ela, uma expressão desse dizer-se eterno e silencioso de Deus.

A relação entre o Verbo eterno e a Criação é claramente expressa nos caminhos humanos da revelação. Do Verbo eterno, encarnado em Jesus Cristo, diz São João: “No início Ele estava com Deus, tudo foi feito por Ele e sem Ele nada existiu” (Jo. 1,2-3). E São Paulo, falando da primazia de Jesus Cristo, diz: “Ele é a imagem do Deus invisível, primogénito de toda a criatura, porque n’Ele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, visíveis e invisíveis” (Col. 1,15-16). Trata-se da plena identificação, em Jesus Cristo, da Palavra criadora, protagonista da criação do céu e da terra (cf. Gen. 1,1ss).

Esta relação da Criação com a Palavra eterna de Deus pertence ainda bastante ao silêncio de Deus, ao segredo do Seu mistério, mas situa a Criação no contexto do diálogo das Pessoas divinas; o segredo do sentido da Criação está escondido no segredo de Deus. Vamos-lo captando à medida que mergulhamos em Jesus Cristo, percebendo como Ele encerra o sentido de todas as coisas. Mas até à Sua plena manifestação, Jesus Cristo é, para nós, a máxima expressão do silêncio de Deus: essa é a beleza e a exigência da nossa fé, ela própria expressão do nosso silêncio profundo.

Foi através da revelação de Deus na história da salvação que chegámos à notícia dessa Palavra eterna de Deus. Podemos captar nessa história de salvação os atributos com que essa Palavra eterna se nos manifestou. Já vimos que ela é criadora e fonte de vida: “Ele era a vida de todos os seres” (Jo. 1,4). Só vive quem escuta a Palavra, entra nesse dizer-se de Deus Pai, no Seu Filho, Verbo eterno. Na história da salvação, todos os acontecimentos que Deus realiza em favor do Seu Povo são atribuídos à Palavra.

É luminosa, irradiação da luz e manifestação da verdade. Só escutando essa Palavra se capta o sentido da criação. Na fé, essa luz ilumina o nosso coração: “E a vida era a luz dos homens e a luz brilhou nas trevas e as trevas não puderam acolhê-la” (Jo. 1,4-5). Esta incapacidade de acolher a luz é, uma das manifestações, para nós, do silêncio de Deus. Deus fica em silêncio porque nós, nos nossos pecados, não O podemos escutar.

Ela é vontade e desígnio. Deus tem uma vontade, interna à comunhão divina e acerca dos homens que criou. Há um desígnio de Deus acerca da criação e da humanidade. Fugir dele é falhar a vida e a existência. Mas este desígnio é um dos grandes segredos de Deus. Vemos que em Jesus Cristo esta vontade eterna de Deus é um dos absolutos na Sua fidelidade e na Sua missão.

Mas finalmente essa Palavra é amor, é Palavra amorosa: “Deus é amor” (1Jo.4,8-16), diz São João. É por isso que o amor verdadeiro, mesmo entre os homens, é o caminho para romper o silêncio de Deus e penetrar no Seu íntimo. Acolher a Palavra significa, para os cristãos, conduzidos pelo Espírito Santo, respeitar os mandamentos do Senhor, que convergem todos para a caridade. E São João assegura: “Aquele que cumpre os seus mandamentos, permanece em Deus e Deus nele” (1Jo. 3,24). E o Apóstolo exorta: “Bem-amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor é de Deus e aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus” (1Jo. 4,7). Fica, assim, claro que só a caridade vence o silêncio de Deus, porque permite escutar a sua Palavra.

         Escutemos com alegria e vivamos com amor a SANTA PALAVRA DE DEUS.

Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB

Bispo Diocesano

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