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A Voz do Pastor › 10/04/2025

O olhar de Jesus e olhar para Jesus

Aproveitamos uma reflexão do Papa Francisco para refletir e nos preparar para as festas Pascais. O tema é encontrar-se e ser encontrado por Jesus. Vejamos.

“Quando se tem o olhar fixo em Jesus com perseverança, descobre-se que é Ele que olha com amor para cada um, disse o Papa Francisco em Missa na Casa Santa Marta.

O Pontífice iniciou recordando que a Carta aos Hebreus, na liturgia do dia, convida a correr na fé com perseverança, mantendo o olhar fixo em Jesus. Já no quinto capítulo do Evangelho de Marcos, é Jesus que olha e percebe que o homem está ali. Jesus está próximo, está sempre no meio da multidão.

“Não está com os guardas que fazem escolta, para que ninguém o toque. Não, não! Ele fica ali, comprimido entre as pessoas. E toda vez que Jesus saía, tinha mais gente. Especialistas de estatísticas poderiam até ter noticiado: “Cai a popularidade do Rabí Jesus”… Mas ele procurava outra coisa: procurava as pessoas. E as pessoas o procuravam. O povo tinha os olhos presos Nele e Ele tinha os olhos presos nas pessoas. “Sim, sim, no povo, na multidão”, “Não, não, em cada um!” É esta a peculiaridade do olhar de Jesus. Jesus não massifica as pessoas; Ele olha para cada um”.

Pequenas alegrias

O Evangelho de Marcos narra dois milagres: Jesus cura uma mulher que tem hemorragias há 12 anos e que, no meio da multidão, consegue tocar sua roupa. E depois, ressuscita a filha de 12 anos de Jairo, um dos chefes da Sinagoga. Ele observa que a menina está faminta e diz aos pais que lhe deem de comer.

“O olhar de Jesus passa do grande ao pequeno. Assim olha Jesus: olha para nós, todos, mas vê cada um de nós. Olha os nossos grandes problemas, percebe as nossas grandes alegrias e vê também as nossas pequenas coisas… porque está perto. Jesus não se assusta com as grandes coisas e leva em conta também as pequenas. Assim olha Jesus”.

Se os fiéis, com perseverança, mantiverem fixo o olhar em Jesus, disse o Papa, acontecerá com eles o que aconteceu com as pessoas depois da ressurreição da filha de Jairo, que ficaram todas admiradas.

“Vou, vejo Jesus, caminho avante, fixo o olhar em Jesus e o que vejo? Que Ele tem o olhar sobre mim! E isto me faz sentir um grande estupor: é a surpresa do encontro com Jesus. Mas não tenhamos medo! Não tenhamos medo, assim como não o teve aquela senhora que foi tocar o manto de Jesus. Não tenhamos medo! Corramos neste caminho, com o olhar sempre fixo em Jesus. E teremos esta bela surpresa, que nos encherá de estupor. O próprio Jesus com os olhos fixos em mim”.

O olhar é o reflexo de nossa interioridade; ele tem um grande poder porque deixa transparecer o que acontece e o que sentimos por dentro.

O corpo humano é um receptor e um transmissor de emoções e a principal mediação para comunicá-las e transmiti-las é através do olhar. A maneira de conhecer melhor uma pessoa, criar laços de empatia com ela e inclusive saber se o que está dizendo é verdade ou mentira… é através do olhar.

O olhar é o recurso não verbal mais expressivo e sincero que nós, seres humanos, possuímos, porque com um simples olhar podemos transmitir desde o ódio até uma declaração de amor ou de amizade. “Se eu morrer, morre comigo um certo modo de olhar”, disse um poeta. Mas o hábito contamina os olhos e tira seu brilho expressivo. Acostumamos a ver as coisas, as pessoas e, de tanto ver, banalizamos o olhar, perdendo a capacidade de despertar assombro e encantamento. Vemos e não olhamos. O que está próximo de nós, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual vai se estreitando e tudo se torna rotina.

Faz-se necessário, então, despertar a criança que ainda habita nosso interior; ela vê o que o adulto não vê, pois tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.

“Um olhar contemplativo percebe sinais de evangelho nos acontecimentos mais simples” (Ir. Roger).

A saturação de imagens, informações e efeitos especiais, tão característica de nossa cultura, está minando, progressiva e sutilmente, a capacidade tanto de apreciar as realidades simples como de perceber a profundidade e o mistério que há nelas. O pior desta situação não é somente a perda da visão contemplativa, mas sobretudo não ter consciência do que acontece ao nosso redor.

Seria de grande ajuda conhecer as “enfermidades” mais frequentes de nossa visão. Detectá-las e reconhecê-las constituiria um avanço decisivo para eliminar os obstáculos que impedem penetrar no significado do mistério da vida em seu estado mais “puro”. Mas não basta pousar os olhos sobre a realidade para captar a profundidade e transcendência do que é contemplado. É difícil ver o evidente. Exige uma tarefa prévia de “desvestir” os olhos para olhar de novo e descobrir o que verdadeiramente existe. “Ver é um esforço, e olhar, literalmente, é um milagre” (Luis Rosales).

Todo olhar não é neutro; ele tem sua intencionalidade. No olhar revelamos algo de nossa identidade: onde está o nosso olhar, aí está o nosso coração. Vemos muitas coisas, mas só “olhamos” aquilo para o qual se dirige nossa atenção. Nesse olhar três aspectos se interrelacionam: aquele que olha, o objeto do olhar e o ato de olhar, ou seja, como olhar. Sempre precisamos ter presente o processo de olhar, mas especialmente os pólos: quem olha (aspecto subjetivo) e onde se olha (aspecto objetivo).

Normalmente, nossa tendência é focar a atenção mais no polo objetivo, ou seja, para onde se olha, qual o conteúdo do objeto do olhar. No caso do Seguimento, os olhos estão fixos em Jesus, deixando-nos afetar pela Sua identidade, Suas relações, Sua paixão pelo Reino, Sua missão, Seu chamado…

Mas o caminho do Seguimento possibilita também centrar a atenção no polo subjetivo, ou seja, sobre quem olha: quem é aquele que olha, sua liberdade interior, seus movimentos internos diante da pessoa e do chamado de Jesus, a sedução que sente por uma grande causa…; da mesma forma, os obstáculos que percebe ao olhar a pessoa e o projeto de Jesus, a resistência em encontrar-se com o olhar d’Ele, o medo de ser visto em sua fragilidade…

Nossos olhos refletem nosso interior. Eles podem estar em condições favoráveis para contemplar a cena do chamado de Jesus. São olhos sadios. Sadios porque há uma correspondência direta e uma profunda intimidade entre aquele que olha e Aquele que é olhado.

Há pessoas que olham de forma bastante objetiva, transparente. São pessoas internamente mais livres, cujo olhar se deixa impactar pela presença e pela proposta de Jesus. Desse olhar brota o assombro, a admiração e o impulso em assumir o mesmo sonho do Jesus peregrino: a realização do Reino do Pai.

No entanto, há também os olhos feridos que não ousam ir mais além; os ferimentos podem vir do interior, bem como do exterior da pessoa. São ferimentos de sua história, de seu passado, das experiências frustrantes que viveu até o momento presente. Muitas pessoas passam grande parte da vida fortemente impactadas por experiências negativas, de desamor, de solidão e desvalorização…

Existencialmente, em seu olhar a pessoa pode revelar seus ferimentos afetivos, experiências de rejeição e de “olhares pesados” dos outros sobre ela. Elas escondem o olhar quando expostas a realidades externas difíceis, de violência, de exclusão… Elas acabam pensando que o mundo e a realidade das pessoas se reduzem a isso, e projetam uma visão deturpada sobre a própria pessoa de Jesus. Dói-lhe fixar os olhos n’Ele.

Com isso, seu olhar fica atrofiado e não ousa levantar-se para contemplar diante de si a pessoa de Jesus. É o que poderíamos chamar de “cataratas” existenciais e espirituais. São obstáculos que impedem uma experiência mais profunda e objetiva na vivência do Evangelho.

Todos somos testemunhas de como pessoas internamente feridas no amor expressam um rosto um tanto sofrido e os olhos revelam certa tristeza e amargura. Por isso, temos a clara convicção de que a objetividade do olhar e a capacidade de fixá-lo em Jesus requer um mínimo de liberdade interior, de ter experimentado o amor em suas múltiplas expressões.

Há um outro aspecto no Evangelho que é preciso ressaltar: precisamos também aceitar que o “objeto do olhar” (Jesus e seu chamado) pode melhorar nossa visão. Isso significa que a experiência do encontro com a pessoa de Jesus, seu olhar misericordioso e marcado pela ternura, a proposta ousada e desafiante que Ele nos faz… podem ajudar a purificar nossos olhos e a melhorar nossa visão.

A própria pedagogia de humanização ampla de Jesus vai beneficiar nossa própria identidade, despertar dinamismos e desejos ocultos em nosso interior, sacudir nossas amarguras e ampliar nosso atrofiado olhar.

Ao “fixar seu olhar” em cada um de nós, chamando-nos pelo nome, seremos movidos a fazer opções mais radicais e integrais pelo Reino, segundo o modo de ser, de viver e de fazer do próprio Jesus.

“Chamado-resposta” implica, pois, uma troca comprometedora de olhares. O olhar transparente e livre de Jesus ressuscita o nosso olhar tímido e estreito e nos capacita a olhar amplos horizontes: seu povo, seu mundo dividido e excluído… Seu olhar nos predispõe a encontrar motivações saudáveis e maduras que nos permitam olhar e viver no contexto atual plural com amor, com entusiasmo e criatividade.

Texto bíblico:  Lc 9,51-62

Na oração: o que me impede de ter um olhar límpido e transparente na tentativa de me configurar ao olhar de Jesus? O que busco ao fixar os olhos em Jesus? O que sinto ao perceber os olhos de Jesus fixos em mim?

A liturgia da Sexta-feira Santa nos ajuda a abrir os olhos diante dos crucificados de hoje e a impotente proximidade de Deus com eles.

É preciso olhar sempre a Cruz por dois lados: o dos crucificadores e o das vítimas. Do lado dos crucificadores, a cruz é morte. “Maldita seja a cruz”. Nós cristãos já temos nos acostumados a cantar “Ó Cruz, tu nos salvarás”, e esquecemos que há cruzes que não são cristãs, mas legitimadoras da dor e da injustiça que recai sobre as vidas as pessoas mais feridas e excluídas. A Cruz nunca vai nos poupar da dor, mas nos dá lucidez. Ela nos impede cair em espiritualidades evasivas, depura nossas imagens de Deus, às vezes demasiado burguesas e light, que não suportam a prova do fracasso, da obscuridade e do silêncio”.

Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB

Bispo Diocesano

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