Com os olhos fixos em Jesus
No final da Carta aos Hebreus, o escritor sagrado nos desafia: “Desse modo, cercado como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo em Jesus… Conservemos os nossos olhos fixos em Jesus, pois é por meio dele que a nossa fé começa, e é Ele quem a aperfeiçoa” (Hb 12,1-2).
Saber olhar, contemplar, espelhar-se no Senhor Jesus é a dinâmica de quem tem Jesus como Mestre e Pastor. Antes de falar muito, fazer muito, e tantas outras coisas, é necessário cultivar a virtude da Contemplação do Senhor.
A expressão de Jesus aos discípulos que o procuravam: “Vinde e Vede”, vale também para cada um nós que queremos ser de verdade, e não só em discursos, seus discípulos missionários. Foi com os “olhos fixos em Jesus” que os discípulos, os apóstolos partiram em missão.
São João em sua primeira carta aos cristãos do seu tempo nos diz: “O que existia desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com nossos olhos, o que temos contemplado e nossas mãos tem apalpado: a Palavra da Vida – porque a Vida foi manifestada -, nós a temos visto, e estamos dando testemunho e anunciando a vocês a vida eterna, que estava junto do Pai e foi manifestada a nós” (1Jo 1, 1-2).
É assim que queremos viver nossa vida de anunciadores e anunciadoras de Jesus. Peçamos a Deus a graça de não sermos traidores deste anúncio de salvação, querendo anunciarmos a nós mesmos, nossas ideias, nossos projetos, nossos desejos, nossas avaliações, a exemplos de alguns cristãos dos primeiros tempos e que foram rejeitados pelos apóstolos e padres da Igreja.
Por isso São João continua na sua carta: “Não amem o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 Jo 2, 15). E nós sabemos e conhecemos, lendo os escritos dos primeiros tempos de nossa fé, quanta divisão causaram os que preferiam olhar para si mesmos e ensinavam os outros a olharem para eles, em vez de olhar para Jesus.
Numa de suas catequeses diárias na Casa Santa Marta, o Papa Francisco nos ensinava, quanto a este tema, recordando a Carta aos Hebreus que a liturgia do dia nos convidava a correr na fé com perseverança, mantendo o olhar fixo em Jesus”. Dizia o Papa:
“O Evangelho de Marcos narra dois milagres: Jesus cura uma mulher que tem hemorragias há 12 anos e que, no meio da multidão, consegue tocar sua roupa. E depois, ressuscita a filha de 12 anos de Jairo, um dos chefes da Sinagoga. Ele observa que a menina está faminta e diz aos pais que lhe deem de comer. O olhar de Jesus passa do grande ao pequeno. Assim olha Jesus: olha para nós, todos, mas vê cada um de nós. Olha os nossos grandes problemas, percebe as nossas grandes alegrias e vê também as nossas pequenas coisas… Porque está perto. Jesus não se assusta com as grandes coisas e leva em conta também as pequenas. Assim olha Jesus”.
Se os fiéis, com perseverança, mantiverem fixo o olhar em Jesus, disse o Papa, acontecerá com eles o que aconteceu com as pessoas depois da ressurreição da filha de Jairo, que ficaram todas admiradas. “Vou, vejo Jesus, caminho avante, fixo o olhar em Jesus e o que vejo? Que Ele tem o olhar sobre mim! E isto me faz sentir um grande estupor: é a surpresa do encontro com Jesus. Mas não tenhamos medo! Não tenhamos medo, assim como não o teve aquela senhora que foi tocar o manto de Jesus. Não tenhamos medo! Corramos neste caminho, com o olhar sempre fixo em Jesus. E teremos esta bela surpresa, que nos encherá de estupor. O próprio Jesus com os olhos fixos em mim”.
Esta é a grande mensagem que devemos guardar em nosso coração de discípulos missionários de Jesus: saber olhar para Ele e ver nele nossa única salvação.
Também o Papa João Paulo II nos recordava a necessidade de sermos uma “Igreja mais contemplativa. Diz o São João Paulo II: “Cum Maria contemplemur Christi vultum! Voltam-me muitas vezes à mente estas palavras: “contemplar o “rosto” de Cristo, com Maria”. Quando falamos do “rosto” de Cristo referimo-nos às suas aparências humanas, em que refulge a glória eterna do Filho unigênito do Pai (cf. Jo 1, 14): “A glória da Divindade reluz no rosto de Cristo”.
Contemplar o rosto de Cristo leva a um conhecimento profundo e envolvente do seu mistério. Contemplar Jesus com os olhos da fé leva a penetrar no mistério de Deus-Trindade. Jesus diz: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14, 9). Assim, Maria, ela própria, se faz nossa mestra e guia. Sob a ação do Espírito Santo, ajuda-nos a adquirir esta “serena audácia” que torna capazes de transmitir aos outros a experiência de Jesus e a esperança que anima os crentes (cf. Redemptoris missio, 24).
Olhemos sempre para Maria, modelo insuperável! No seu espírito encontram um eco extraordinário de todas as palavras do Evangelho. Maria é a “memória” contemplativa da Igreja, que vive no desejo de se unir mais profundamente ao seu Esposo para se refletir ainda mais na nossa sociedade.
Perante os grandes problemas, diante da dor inocente, das injustiças praticadas com arrogância insolente, como reagir? Na doce escola de Maria, que é nossa Mãe, os crentes aprendem a reconhecer no aparente “silêncio de Deus” a Palavra que ressoa no silêncio para a nossa salvação… Todos os crentes são chamados, graças ao Batismo, à santidade.
Concílio Vaticano II, na Constituição dogmática Lumen gentium, sublinha que a vocação universal à santidade consiste no chamamento de todos à perfeição da caridade. Santidade e missão são aspectos imprescindíveis da vocação de cada batizado. O compromisso de se tornarem mais santos está estreitamente ligado ao de espalhar a mensagem da salvação. “Todo o fiel recordava eu na Redemptoris missio é chamado à santidade e à missão” (n. 90).
Em época alguma, a Igreja teve tantas possibilidades de anunciar Jesus como hoje, graças ao desenvolvimento dos meios de comunicação. Precisamente por isto, a Igreja é hoje chamada a fazer transparecer o Rosto do seu Esposo com uma santidade mais refulgente. Neste esforço, não fácil, sabe que é ajudada por Maria. Dela “aprende” a ser “virgem”, totalmente dedicada ao seu Esposo, Jesus Cristo, e “mãe” de muitos filhos que gera para a vida imortal.
Sob o olhar vigilante da Mãe, a comunidade eclesial cresce como uma família reavivada pela efusão poderosa do Espírito e, pronta para acolher o desafio da nova evangelização, contempla o rosto misericordioso de Jesus nos irmãos, especialmente nos pobres e necessitados, nos que vivem longe da fé e do Evangelho. Em particular, a Igreja não tem medo de gritar ao mundo que Cristo é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6); não tem medo de anunciar com alegria que “a boa nova tem o seu centro, antes, o seu mesmo conteúdo, na pessoa de Cristo, o Verbo feito carne, único salvador do mundo” (Rosarium Virginis Mariae, 20).
É urgente preparar evangelizadores competentes e santos; é necessário que não enfraqueça o fervor nos apóstolos, especialmente para a missão “ad gentes“.
Somos convidados a, contemplando o rosto de Jesus, tornarmo-nos, a exemplo de Maria e da “multidão das testemunhas”, anunciadores do Reino de Deus que Jesus inaugurou.
Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB
Bispo Diocesano
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