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A Voz do Pastor › 01/09/2020

A Palavra de Deus

Estamos em setembro, mês em que a Igreja Católica no Brasil dá um destaque especial à SANTA PALAVRA DE DEUS, a BÍBLIA. Claro, todos os dias, todos os meses, todos os anos, são tempo da Palavra de Deus. Mas seguindo o ciclo litúrgico, em setembro nos dedicamos, ainda mais, à leitura, à meditação e à oração tendo como centro o Deus que se manifesta em sua Palavra.

Aproveito uma conferência do Papa Bento XVI, a um grupo de cardeais e teólogos no ano de 2009, para apresentar uma reflexão belíssima sobre a Sagrada Escritura. Disse o Papa: “Reunistes-vos de novo para aprofundar um tema muito importante: a inspiração e a verdade da Bíblia. Trata-se de um tema que diz respeito não só à teologia, mas à própria Igreja, dado que a vida e a missão da Igreja se fundam necessariamente na Palavra de Deus, a qual é a alma da teologia e, juntas, inspiradoras de toda a existência cristã.

Na Encíclica “Providentissimus Deus” o Papa Leão XIII oferecia aos exegetas católicos novos encorajamentos e diretrizes em tema de inspiração, verdade e hermenêutica bíblica. Mais tarde, Pio XII, na sua Encíclica “Divino Afflante Spiritu”, recolhia e completava o precedente ensinamento, exortando os exegetas católicos a encontrar soluções em plena sintonia com a doutrina da Igreja, tendo devidamente em consideração as contribuições positivas dos novos métodos de interpretação que, entretanto, se desenvolveram.

O impulso concreto dado por estes dois Pontífices aos estudos bíblicos, encontrou plena confirmação e foi ulteriormente desenvolvido no Concílio Vaticano II, de modo que toda a Igreja dele tirou, e continua a tirar, benefício. Em particular, a Constituição conciliar “Dei Verbum” ilumina ainda hoje a obra dos exegetas católicos e convida os Pastores e os fiéis a alimentar-se mais assiduamente na mesa da Palavra de Deus.

O Concílio recorda, a propósito, antes de tudo, que Deus é Autor da Sagrada Escritura: “As verdades reveladas por Deus, que se encontram escritas e manifestas na Sagrada Escritura, foram redigidas por inspiração do Espírito Santo. Com efeito, a Santa Mãe Igreja, por fé apostólica, tem como sagrados e canônicos os livros inteiros do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor e como tais foram confiados à própria Igreja” (Dei Verbum, 11).

Portanto, dado que tudo o que os autores inspirados ou hagiógrafos afirmam, deve ser considerado como confirmado pelo Espírito Santo, autor invisível e transcendente, deve declarar-se por conseguinte, que “os Livros da Sagrada Escritura ensinam com firmeza, com fidelidade e sem erro a verdade que Deus, causa da nossa salvação, quis consignar nas Sagradas Letras” (ibid., 11).

Da correta colocação do conceito de divina inspiração e verdade da Sagrada Escritura derivam algumas normas que dizem respeito diretamente à sua interpretação. A mesma Constituição Dei Verbum, depois de ter afirmado que Deus é o autor da Bíblia, recorda-nos que na Sagrada Escritura Deus fala ao homem de modo humano. Deus fala realmente à maneira humana. E esta sinergia humano-divina é muito importante: Deus fala realmente aos homens de modo humano… De fato, sendo a Escritura inspirada, há um sumo princípio de reta interpretação sem o qual os escritos sagrados permaneceriam letra morta, só do passado: a Sagrada Escritura deve “ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com o qual foi escrita” (Dei Verbum, 12).

A este propósito, o Concílio Vaticano II indica três critérios sempre válidos para uma interpretação da Sagrada Escritura conforme ao Espírito que a inspirou. Antes de tudo é preciso prestar grande atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura: só na sua unidade é Escritura. De fato, por muito diferentes que sejam os livros que a compõem, a Sagrada Escritura é una em virtude da unidade do desígnio de Deus, do qual Cristo Jesus é o centro e o coração (cf. Lc 24, 25-27; Lc 24, 44-46).

Em segundo lugar, é necessário ler a Escritura no contexto da tradição viva de toda a Igreja. De fato, a Igreja leva na sua Tradição a memória viva da Palavra de Deus e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação da mesma segundo o sentido espiritual (cf. Orígenes, Homiliae in Leviticum, 5, 5). Como terceiro critério é necessário prestar atenção à analogia da fé, ou seja, à unidade de cada uma das verdades da fé entre elas e com o plano integral da Revelação e a plenitude da divina economia nele encerrada.

O exegeta católico não se sente apenas membro da comunidade científica, mas também, e sobretudo, membro da comunidade dos crentes de todos os tempos. Na realidade estes textos não foram dados aos pesquisadores ou à comunidade científica “para satisfazer a sua curiosidade ou para lhes fornecer argumentos de estudo e pesquisa” (Divino afflante Spiritu, eb 566).

Os textos inspirados por Deus foram confiados em primeiro lugar à comunidade dos crentes, à Igreja de Cristo, para alimentar a vida de fé e guiar a vida de caridade. O respeito desta finalidade condiciona a validade e a eficiência da hermenêutica bíblica. O Concílio Vaticano II reafirmou-o com grande clareza: “Todas estas coisas, referentes à interpretação da Escritura, estão sujeitas, em última instância, ao juízo da Igreja, que exerce o divino mandato e ministério de guardar e interpretar a Palavra de Deus” (Dei Verbum, 12).

Como nos recorda a mencionada Constituição dogmática existe uma unidade inseparável entre Sagrada Escritura e Tradição, porque ambas provêm de uma mesma fonte: “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura relacionam-se e comunicam-se intimamente entre si; porque, surgindo ambas da mesma fonte, de certo modo se fundem e tendem para o mesmo fim.

Com efeito, a Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto consignada por escrito sob a inspiração do Espírito Santo; a Sagrada Tradição, por seu lado, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a Palavra de Deus, confiada aos Apóstolos por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo, para que, com a luz do Espírito de Verdade, a guardem, exponham e difundam fielmente na sua pregação; donde se segue que a Igreja não tira somente da Sagrada Escritura a sua certeza de todas as coisas reveladas. Por isso, se devem receber e venerar ambas com igual afeto de piedade e reverência” (Dei Verbum, 9).

Num mundo no qual a pesquisa científica assume uma importância sempre crescente em numerosos campos é indispensável que a ciência exegética se situe a um nível adequado. É um dos aspectos da inculturação da fé que faz parte da missão da Igreja, em sintonia com o acolhimento do mistério da Encarnação.

Queridos irmãos e irmãs, o Senhor Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado e divino Mestre que abriu o espírito dos seus discípulos à inteligência das Escrituras (cf. Lc 24, 45), vos guie e vos ampare nas vossas reflexões. A Virgem Maria, modelo de docilidade e de obediência à Palavra de Deus, vos ensine a acolher cada vez mais a riqueza inexaurível da Sagrada Escritura, não só através da busca intelectual, mas também na vossa vida de crentes, para que o vosso trabalho e a vossa ação possam contribuir para fazer resplandecer sempre mais diante dos fiéis a luz da Sagrada Escritura”.

Que texto magnífico para nossa oração, reflexão e fé incondicional na Santa Palavra de Deus. Como diz o Catecismo da Igreja Católica: “Através de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus não diz mais que uma só Palavra, o seu Verbo único, em quem totalmente Se diz: «Lembrai-vos de que o discurso de Deus que se desenvolve em todas as Escrituras é um só e um só é o Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores sagrados, o qual, sendo no princípio Deus junto de Deus, não tem necessidade de sílabas, pois não está sujeito ao tempo» (CIC 69 – 70). Amemos sempre mais a Santa Bíblia e deixemo-nos conduzir pela sua luz.

Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB

Bispo Diocesano de São José dos Campos

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