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A Voz do Pastor › 01/10/2020

A dimensão missionária da Igreja

Desde sempre a AÇÃO MISSIONÁRIA está no coração da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ser cristão/cristã e ser missionário(a) são sinônimos. Basta ler as cartas apostólicas dos primeiros tempos da vida da Igreja e encontramos, em todas as páginas, o apelo para a missão. Missão que se resume no anúncio e vivência do “Querigma”: anunciar Jesus Cristo como Senhor e Servidor de todos e de tudo.

O Papa João Paulo II nos deixou escritos maravilhosos sobre a dimensão missionária da Igreja. Animou este trabalho fundamental da fé, como também chamou a atenção para aqueles que querem viver um cristianismo “fora da medida da fé e do impulso missionário, fora dos paradigmas anunciados por Jesus no dia de sua ascensão aos céus, quando enviou os apóstolos, discípulos e todos aqueles que decidiram suas vidas por Ele: “Ide e fazei discípulos meus entre todas as nações” (Mt 28,19). Especialmente quero recordar alguns ensinamentos do Papa em sua Carta Encíclica “Redemptoris Missio”, sobre a validade permanente do mandato missionário.

“A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, particularmente, do nosso é a de dirigir o olhar do homem e orientar a consciência e experiência da humanidade inteira, para o mistério de Cristo». A missão universal da Igreja nasce da fé em Jesus Cristo, como se declara no Credo: «Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos (…) E por nós homens, e para nossa salvação, desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e Se fez homem». No acontecimento da Redenção está a salvação de todos, «porque todos e cada um foram compreendidos no mistério da Redenção, e a todos e cada um se uniu Cristo para sempre, através deste mistério »:somente na fé, se fundamenta e compreende a missão.

No entanto, devido às mudanças dos tempos modernos e à difusão de novas ideias teológicas, alguns interrogam-se: ainda é atual a missão entre os não cristãos? Não estará por acaso substituída pelo diálogo inter-religioso? Não se deverá restringir ao empenho pela promoção humana? O respeito pela consciência e pela liberdade não exclui qualquer proposta de conversão? Não é possível salvar-se em qualquer religião? Para quê, pois, a missão?

« Ninguém vai ao Pai, senão por Mim » (Jo 14, 6)

Remontando às origens da Igreja, aparece clara a afirmação de que Cristo é o único salvador de todos, o único capaz de revelar e de conduzir a Deus. As autoridades religiosas judaicas, que interrogam os Apóstolos sobre a cura do aleijado, realizada por Pedro, este responde: «É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de vós (… ) E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar» (At 4, 10.12).

Esta afirmação, dirigida ao Sinédrio, tem um valor universal, já que, para todos — judeus e gentios —, a salvação só pode vir de Jesus Cristo. A universalidade desta salvação em Cristo é afirmada em todo o Novo Testamento. S. Paulo reconhece, em Cristo ressuscitado, o Senhor: « Porque, ainda que haja alguns que são chamados deuses, quer no céu quer na terra, existindo assim muitos deuses e muitos senhores, para nós há apenas um único Deus, o Pai de Quem tudo procede e para Quem nós existimos; e um único Senhor, Jesus Cristo, por meio do Qual todas as coisas existem, e igualmente nós existimos também » (1 Cor 8, 5-6). O único Deus e o único Senhor são afirmados em contraste com a multidão de « deuses » e de « senhores » que o povo admitia. Paulo reage contra o politeísmo do ambiente religioso do seu tempo, pondo em relevo a característica da fé cristã: crença num só Deus e num só Senhor, por Aquele enviado.

No Evangelho de S. João, esta universalidade salvífica de Cristo compreende os aspectos da Sua missão de graça, de verdade e de revelação: « o Verbo é a Luz verdadeira que a todo o homem ilumina » (Jo 19). E ainda: « ninguém jamais viu Deus: o Filho único, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer » (Jo 1, 18; cf. Mt 11, 27). A revelação de Deus tornou-se definitiva e completa, na obra do Seu Filho Unigénito: « Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos profetas, agora falou-nos, nestes últimos tempos, pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo, e por Quem igualmente criou o mundo » (Heb 1, 1-2; cf. Jo 14, 6).

Nesta Palavra definitiva da Sua revelação, Deus deu-se a conhecer do modo mais pleno: Ele disse à humanidade Quem é. E esta autorrevelação definitiva de Deus é o motivo fundamental pelo qual a Igreja é, por sua natureza, missionária.

Não pode deixar de proclamar o Evangelho, ou seja, a plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer de Si mesmo. Cristo é o único mediador entre Deus e os homens: « há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que se deu em resgate por todos. Tal é o testemunho que foi dado no tempo devido, e do qual eu fui constituído pregador, apóstolo e mestre dos gentios na fé e na verdade. Digo a verdade, não minto » (1 Tim 2, 5-7; cf. Hb 4, 14-16). Os homens, portanto, só poderão entrar em comunhão com Deus através de Cristo, e sob a ação do Espírito. Esta Sua mediação única e universal, longe de ser obstáculo no caminho para Deus, é a via estabelecida pelo próprio Deus, e disso, Cristo tem plena consciência.

Se não se excluem mediações participadas de diversos tipos e ordem, todavia elas recebem significado e valor unicamente da de Cristo, e não podem ser entendidas como paralelas ou complementares desta. É contrário à fé cristã introduzir qualquer separação entre o Verbo divino e Jesus Cristo. S. João afirma claramente que o Verbo, que « no princípio estava com Deus », é o mesmo que « se fez carne » (Jo 1, 2. 14). Jesus é o Verbo encarnado, pessoa una e indivisa: não se pode separar Jesus, de Cristo, nem falar de um «Jesus da história » que seria diferente do « Cristo da fé ». A Igreja conhece e confessa Jesus como « Cristo, o Filho de Deus vivo » (Mt 16, 16): Cristo não é diferente de Jesus de Nazaré; e este é o Verbo de Deus feito homem, para a salvação de todos. Em Cristo, « habita corporalmente toda a plenitude da divindade » (Cl 2, 9) e « da Sua plenitude todos nós recebemos » (Jo 1, 16). O « Filho Unigénito, que está no seio do Pai » (Jo 1, 18), é « o Filho muito amado, no qual temos a redenção e a remissão dos pecados (…) Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude, e por Ele fossem reconciliadas Consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da sua cruz, tanto as criaturas da terra como as do céu » (Cl 1, 13-14. 19-20).

Precisamente esta singularidade única de Cristo é que Lhe confere um significado absoluto e universal, pelo qual, enquanto está na História, é o centro e o fim desta mesma História: « Eu sou o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Ultimo, o Princípio e o Fim » (Ap 22, 13). Se é lícito e útil, portanto, considerar o mistério de Cristo sob os seus vários aspectos, nunca se deve perder de vista a Sua unidade.

À medida que formos descobrindo e valorizando os diversos tipos de dons, e sobretudo as riquezas espirituais, que Deus distribuiu a cada povo, não podemos separá-los de Jesus Cristo, o Qual está no centro da economia salvadora. De facto, como « pela encarnação, o Filho de Deus se uniu de alguma forma a todo o homem », assim « devemos acreditar que o Espírito Santo oferece a todos, de um modo que só Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao mistério pascal », o plano divino é « recapitular em Cristo todas as coisas que há no céu e na terra » (Ef 1, 10).

A fé em Cristo é uma proposta à liberdade do homem

A urgência da atividade missionária deriva da radical novidade de vida, trazida por Cristo e vivida pelos Seus discípulos. Esta nova vida é dom de Deus, e, ao homem, é-lhe pedido que a acolha e desenvolva, se quiser realizar integralmente a sua vocação, conformando-se a Cristo. Todo o Novo Testamento se apresenta como um hino à vida nova, para aquele que crê em Cristo e vive na Sua Igreja. A salvação em Cristo, testemunhada e anunciada pela Igreja, é autocomunicação de Deus. « O amor não só cria o bem, mas faz participar também na própria vida de Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Com efeito, aquele que ama quer dar-se a si mesmo ».

Deus oferece ao homem esta novidade de vida. « Poder-se-á rejeitar Cristo e tudo aquilo que Ele introduziu na história do homem? Certamente que sim; o homem é livre: ele pode dizer não, a Deus. O homem pode dizer não, a Cristo. Mas permanece a pergunta fundamental: é lícito fazê-lo? É lícito, em nome de quê? ». No mundo moderno, há tendência para reduzir o homem unicamente à dimensão horizontal. Mas o que acontece ao homem que não se abre ao Absoluto? A resposta está na experiência de cada homem, mas está também inscrita, na história da humanidade, com o sangue derramado em nome de ideologias e regimes políticos que quiseram construir uma « humanidade nova » sem Deus.

O anúncio e o testemunho de Cristo, quando feitos no respeito das consciências, não violam a liberdade. A fé exige a livre adesão do homem, mas tem de ser proposta, já que « as multidões têm o direito de conhecer as riquezas do mistério de Cristo, nas quais toda a humanidade — assim o acreditamos nós — pode encontrar, numa plenitude inimaginável, tudo aquilo que procura, às apalpadelas, a respeito de Deus, do homem, do seu destino, da vida e da morte, da verdade (… ) É por isso que a Igreja conserva bem vivo o seu espírito missionário, desejando até que ele se intensifique, neste momento histórico que nos foi dado viver ».

No entanto, é necessário acrescentar, citando ainda o Concílio, que « todos os homens, pela sua própria dignidade, já que são pessoas, isto é, seres dotados de razão e vontade livre, e consequentemente de responsabilidade pessoal, são impelidos pela sua natureza, e moralmente obrigados a procurar a verdade, e antes de tudo a que se refere à religião. Têm também obrigação de aderir à verdade conhecida, e ordenar toda a sua vida segundo as exigências da verdade ». A primeira beneficiária da salvação é a Igreja: Cristo adquiriu-a com o Seu sangue (cf. At 20, 28) e tornou-a Sua cooperadora na obra da salvação universal.

Com efeito, Cristo vive nela, é o seu Esposo, realiza o seu crescimento, e cumpre a Sua missão através dela. A universalidade da salvação em Cristo não significa que ela se destina apenas àqueles que, de maneira explícita, creem em Cristo e entraram na Igreja. Se é destinada a todos, a salvação deve ser posta concretamente à disposição de todos. É evidente, porém, que, hoje como no passado, muitos homens não têm a possibilidade de conhecer ou aceitar a revelação do Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condições socioculturais que o não permitem, e frequentemente foram educados noutras tradições religiosas. Para eles, a salvação de Cristo torna-se acessível em virtude de uma graça que, embora dotada de uma misteriosa relação com a Igreja, todavia não os introduz formalmente nela, mas ilumina convenientemente a sua situação interior e ambiental. Esta graça provém de Cristo, é fruto do Seu sacrifício e é comunicada pelo Espírito Santo: ela permite a cada um alcançar a salvação, com a sua livre colaboração.

Por isso o Concílio, após afirmar a dimensão central do Mistério Pascal, diz: «isto não vale apenas para aqueles que creem em Cristo, mas para todos os homens de boa vontade, no coração dos quais opera invisivelmente a graça. Na verdade, se Cristo morreu por todos e a vocação última do homem é realmente uma só, isto é, a divina, nós devemos acreditar que o Espírito Santo oferece a todos, de um modo que só Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao Mistério Pascal».

À pergunta “por quê a missão?”, respondemos, com a fé e a experiência da Igreja, que abrir-se ao amor de Cristo é a verdadeira libertação. N’Ele, e só n’Ele, somos libertos de toda a alienação e extravio, da escravidão ao poder do pecado e da morte. Cristo é verdadeiramente « a nossa paz » (Ef 2,14), e « o amor de Cristo nos impele » (2 Cor 5, 14), dando sentido e alegria à nossa vida. A missão é um problema de fé, é a medida exata da nossa fé em Cristo e no Seu amor por nós. A tentação hoje é reduzir o cristianismo a uma sabedoria meramente humana, como se fosse a ciência do bom viver. Num mundo fortemente secularizado, surgiu uma «gradual secularização da salvação», onde se procura lutar, sem dúvida, pelo homem, mas por um homem dividido a meio, reduzido unicamente à dimensão horizontal. Ora nós sabemos que Jesus veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os homens, abrindo-lhes os horizontes admiráveis da filiação divina.

Por quê a missão? Porque a nós, como a S. Paulo, «nos foi dada esta graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo» (Ef 3, 8). A novidade de vida n’Ele é « Boa Nova » para o homem de todos os tempos: a ela todos são chamados e destinados. Todos, de fato, a buscam, mesmo se às vezes confusamente, e têm o direito de conhecer o valor de tal dom e aproximar-se dele.

A Igreja, e nela cada cristão, não pode esconder nem guardar para si esta novidade e riqueza, recebida da bondade divina para ser comunicada a todos os homens. Eis por que a missão, para além do mandato formal do Senhor, deriva ainda da profunda exigência da vida de Deus em nós. Aqueles que estão incorporados na Igreja Católica devem-se sentir privilegiados, e, por isso mesmo, mais comprometidos a testemunhar a fé e a vida cristã como serviço aos irmãos e resposta devida a Deus, lembrados de que « a grandeza da sua condição não se deve atribuir aos próprios méritos, mas a uma graça especial de Cristo; se não correspondem a essa graça por pensamentos, palavras e obras, em vez de se salvarem, incorrem num julgamento ainda mais severo ».

Assim, celebremos com muita Fé e Alegria este mês missionário. A medida do amor a Jesus de uma pessoa, de uma comunidade, de uma paróquia de uma diocese se mede pelo amor à ação missionária da Igreja.

Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB

Bispo Diocesano de São José dos Campos

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