Férias com Deus e não sem Ele
Nossas férias facilmente se tornam o momento ou o período em que nós, também, damos férias a Deus?
Mesmo não querendo desenvolver uma teologia de férias ou de descanso, nos propomos a olhar à Palavra de Deus, com esse tema em mente. Ao fazer isso, nos deparamos com alguns fatos que deveriam nos conduzir a uma reflexão pessoal de como encaramos esse período de descanso e como esse tempo é vivido para a glória do Criador.
Para quem pensa nesse assuntos, nas primeiras páginas da Bíblia, vemos um fato que não pode passar despercebido. Vemos ali como Deus nos apresenta, pelo exemplo, o que deveria ser nossa atitude para com o trabalho e para com o descanso: “No sétimo dia, Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou. Abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação” (Gn 2,2-3).
Certamente, Deus não faz nada sem propósito. Se Ele ordena que descansemos no sétimo dia, então, além de usarmos esse dia para a glória do Criador, o Senhor está consciente do fato de precisarmos regularmente do descanso. O Novo Testamento nos diz que, o nosso corpo é o templo de Espírito Santo. Diante disso, é difícil imaginar que Deus Pai queira para si, um templo que esteja cansado e exausto. Isso não seria um lugar agradável para morar.
Virando várias páginas da Sagrada Escritura, chegamos ao Novo Testamento. Ali, nos deparamos com um fato bem interessante em relação ao descanso e, porque não dizer, com relação às férias: “Os apóstolos reuniram-se a Jesus e lhe relataram tudo o que tinham feito e ensinado. Havia muita gente indo e vindo, a ponto de eles não terem tempo para comer. Jesus lhes disse: ‘Venham comigo para um lugar deserto e descansem um pouco’” (Mc 6,30-31). Os apóstolos acabam de retornar de um esforço missionário evangelístico. Além disso, recebem a notícia de que João Batista fora decapitado. O movimento em torno de Nosso Senhor Jesus Cristo estava tão intenso, que nem mesmo havia condições para alimentação adequada. Naquele momento, Cristo entra em ação com esta proposta brilhante: Ele afirma que devem procurar um lugar deserto, isto é, um lugar em que não haja tantas pessoas, um lugar que proporcione tempo e oportunidade de estarem a sós com Ele. Apesar do sucesso do Seu ministério, o Senhor está consciente de que precisa prevenir o estresse, como resultado de atividades tão intensas.
Temos ainda outro assunto discutido na Bíblia e bem destacado. Lemos, em Êxodo 20, que todos da unidade doméstica estariam incluídos no descanso regular semanal. Interessante notar ali que, inclusive, os animais não deveriam fazer tarefa alguma no dia do descanso. Isso fez com que, me desse conta de que, o Criador, prevê o descanso para a natureza. Veja, por exemplo, o que lemos em Levítico 25,2-5: ” Diga o seguinte aos israelitas: ‘Quando vocês entrarem na terra que lhes dou, a própria terra guardará um sábado para o Senhor. Durante seis anos semeiem as suas lavouras, aparem as suas vinhas e façam a colheita de suas plantações. Mas no sétimo ano a terra terá um sábado de descanso, um sábado dedicado ao Senhor. Não semeiem as suas lavouras nem aparem as suas vinhas’”. Assim como os homens e os animais precisam de descanso, a natureza também precisa dessa pausa e, Deus já estabeleceu isso junto ao Seu povo.
Há mais um momento na vida de Jesus Cristo que merece a nossa atenção nesse contexto. Mesmo que, anteriormente, tenha estimulado o descanso ao levar os discípulos a uma viagem de recreação, o Senhor aponta agora que o repouso também pode ocorrer em hora errada. Ele diz aos Seus seguidores, ali no Getsêmani, o seguinte: “Vocês ainda dormem e descansam? Basta! Chegou a hora! Eis que o Filho do homem está sendo entregue nas mãos dos pecadores” (Mc 14,41). Há momentos em que não comportam descanso e ócio; é preciso adotar uma atitude bem diferente. Na realidade, não se pode indicar os momentos não apropriados para o descanso, mas, certamente, teremos a devida orientação por parte de Deus a respeito dessa questão.
Dar férias também para Deus?
Ciente de não ter esgotado esse pano de fundo para as férias e descanso, nós nos propomos agora, a fazer algumas indagações e reflexões. Deus quer que tenhamos tempo para restaurar as forças físicas, mentais e espirituais. No entanto, nossa inquietação é: o que nós chamamos de descanso, o que nós praticamos como descanso e que nós encaramos como as “bem merecidas férias”? Estaria, o Senhor, contente com o repouso que praticamos? Ele convidou os discípulos para uma viagem de férias, para estarem com Ele e terem tempo para estarem em sintonia com o Filho de Deus. Será que planejamos as nossas férias para alcançar esse propósito?
Podemos nos perguntar também: – Será que Deus aprovaria os locais que escolhemos para descansar? Os lugares mais badalados e, também, procurados são as praias e os balneários das termas. Será que esses lugares nos proporcionam descanso e restauração física, mental e espiritual? Uma vez que, ali há um aglomerado tão grande de pessoas, sempre há alguma coisa acontecendo e nos convidando para o envolvimento. Por outro lado, corre solta a sensualidade em todas as formas, ela parece ser o fator principal nesses “locais de férias”. Se formos honestos e atenciosos, não descobriremos que, em vez de descanso, alcançamos algo bem mais forte em emoções e adrenalina e, por que não dizer, em estímulos sexuais? Como se isso não bastasse ainda, muitos ali ficarão com a autoestima tão abalada ao verem que, o corpo não está dentro dos padrões de beleza estabelecidos, por aqueles que procuram e desenvolvem os padrões de beleza em nossos dias. Toda a mídia se esforça em desenvolver um modelo de repouso ideal, esse prevê e precisa que as férias sejam regadas de muita bebida alcoólica.
É evidente que, em nossos dias, realmente precisamos de férias, precisamos de descanso, precisamos “recarregar as nossas baterias”. O nosso esgotamento ocorre nas três áreas que já indicamos anteriormente: física, mental e espiritual. Muitas vezes, somos exigidos de forma tão vigorosa fisicamente, que o corpo fica arrasado. Isso tem consequências sobre a mente e certamente também sobre a parte espiritual.
Outras vezes, e isso depende da nossa atividade, é exigido tanto da mente que afeta até o corpo e, em consequência disso, o nosso espírito. Já outras atividades exigem tanto do “coração e do espírito”, que nos deixam arrasados nessa área. E, se estamos exaustos, esse cansaço também afeta o corpo e a mente. Mesmo que teoricamente funcionemos em áreas; formamos um todo e esse todo sofre com dificuldades em uma ou outra área. Dentro desse raciocínio, deve-se ter uma inquietação: nossas férias facilmente se tornam o momento ou o período em que nós também damos férias a Deus? As coisas parecem estar tão perfeitas e gostosas que não precisamos do Senhor? Ou então dormimos tanto pela manhã, para já não haver mais tempo para um período devocional antes de irmos aos passeios. Por outro lado, esses passeios nos cansam tanto que, à tarde, temos de ter aquela soneca gostosa? À noite, muitas vezes, acontece alguma festa com amigos ou parentes, que estão no mesmo lugar, e a hora fica avançada demais para ainda termos tempo para Deus? Dentro dessa linha uma outra pergunta: Será que Deus aprovaria o fato de darmos, em nossas férias, férias também para Ele?
Padre Anderson Marçal, Comunidade Canção Nova