Av. São João, 2650 - Jardim das Colinas, São José dos Campos - SP, 12242-000 - (12) 3928-3911

Doutrina da Fé: a monogamia não é um limite, o matrimônio é promessa de infinito

A importância da caridade conjugal e a atenção aos pobres. A condenação da violência, seja física seja psicológica: “O matrimônio não é posse”. Em uma época individualista e consumista, educar os jovens ao amor como responsabilidade e esperança no outro.

“Unidade indissolúvel”: assim a Nota doutrinal do Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) define o matrimônio, ou seja, como uma “união exclusiva e pertencimento recíproco”. Não por acaso, o documento — aprovado por Leão XIV no último dia 21 de novembro, memória litúrgica da Apresentação da Bem-Aventurada Virgem Maria, e apresentado hoje à imprensa, 25 de novembro — traz o título “Una caro (uma só carne). Elogio à monogamia”. No documento explica-se que aqueles que se doam plena e completamente um ao outro só podem ser dois; de outro modo, seria um dom parcial de si mesmo que não respeita a dignidade do parceiro.

As motivações do documento

Três são as motivações que estão na origem do texto: em primeiro lugar — escreve na introdução o cardeal prefeito, Víctor Manuel Fernández — há a atenção ao atual “contexto global de desenvolvimento do poder tecnológico”, que leva o homem a pensar-se como “uma criatura sem limites” e, portanto, distante do valor de um amor exclusivo e reservado a uma única pessoa. Menciona-se também as discussões com os bispos africanos sobre o tema da poligamia, recordando que “estudos aprofundados sobre as culturas africanas” desmentem “a opinião comum” acerca da excepcionalidade do matrimônio monogâmico. Por fim, o documento constata, no Ocidente, o crescimento do “poliamor”, ou seja, formas públicas de união não monogâmica.

A unidade conjugal e a união entre Cristo e a Igreja

Nesse contexto, o documento do DDF deseja realçar a beleza da unidade conjugal que, “com a ajuda da graça”, representa também “a união entre Cristo e sua esposa amada, a Igreja”. Destinada sobretudo aos bispos, a Nota — sublinha o cardeal Fernández — quer igualmente ajudar os jovens, os noivos e os esposos a captar “a riqueza” do matrimônio cristão, de modo a estimular “uma reflexão serena e um aprofundamento prolongado” sobre o tema.

O pertencimento fundamentado no consentimento livre

Dividido em sete capítulos, além das Conclusões, o texto reafirma que a monogamia não é uma limitação, mas a possibilidade de um amor que se abre ao eterno. Dois elementos aparecem decisivos: o pertencimento recíproco e a caridade conjugal. O primeiro, “fundado no consentimento livre” dos cônjuges, é reflexo da comunhão trinitária e torna-se “uma forte motivação para a estabilidade da união”. Trata-se do “pertencimento do coração, onde somente Deus vê” e onde só Ele pode entrar, “sem perturbar a liberdade e a identidade da pessoa”.

Não profanar a liberdade do outro

Assim entendida, “a mútua pertença própria do amor recíproco exclusivo implica um cuidado delicado, um santo temor de profanar a liberdade do outro, que tem a mesma dignidade e, portanto, os mesmos direitos”. Porque quem ama sabe que “o outro não pode ser um meio para resolver suas próprias insatisfações” e sabe que o próprio vazio nunca deve ser preenchido “por meio do domínio do outro”. A esse respeito, a Nota lamenta “as tantas formas de desejo doentio que desembocam em várias manifestações de violência explícita ou sutil, de opressão, de pressão psicológica, de controle e, por fim, de asfixia”. Trata-se de “falta de respeito e de reverência diante da dignidade do outro”.

O matrimônio não é posse

Ao contrário, um “nós dois” saudável implica “a reciprocidade de duas liberdades que nunca são violadas, mas se escolhem mutuamente, deixando sempre intacto um limite que não pode ser ultrapassado”. Isso acontece quando “a pessoa não se dispersa na relação, não se funde com a pessoa amada”, no respeito por todo amor saudável “que nunca pretende absorver o outro”. A Nota destaca que o casal poderá “compreender e aceitar” um momento de reflexão ou algum espaço de solidão ou autonomia pedido por um dos cônjuges, visto que “o matrimônio não é posse”, não é “pretensão de tranquilidade absoluta”, nem libertação total da solidão (somente Deus, de fato, pode preencher o vazio sentido por um ser humano), mas sim confiança e capacidade de enfrentar novos desafios. Ao mesmo tempo, convida-se os cônjuges a não se recusarem mutuamente, porque “quando a distância se torna muito frequente, o ‘nós dois’ se expõe à sua possível eclípse”. Um diálogo sincero permitirá, em vez disso, sanar as causas do afastamento recíproco e encontrar o equilíbrio justo.

A oração, meio precioso para crescer no amor

O pertencimento recíproco expressa-se também na ajuda mútua entre os cônjuges para amadurecer como pessoas: nisso, a oração é “um meio precioso” mediante o qual o casal pode santificar-se e crescer no amor. Assim, realiza-se a caridade conjugal, “força unitiva” “afetiva, fiel e total”, “dom divino” pedido na oração e nutrido na vida sacramental e que, precisamente no matrimônio, torna-se “a maior amizade” entre dois corações próximos, que se amam e que se sentem “em casa” um no outro.

Sexualidade e fecundidade

Graças ao poder transfigurador da caridade, será também possível compreender a sexualidade “em corpo e alma”, isto é, não como um impulso ou um desabafo, mas como “um presente maravilhoso de Deus” que orienta à doação de si e ao bem do outro, considerado na totalidade de sua pessoa. A caridade conjugal se desdobra igualmente na fecundidade, “ainda que isso não signifique que este deva ser o objetivo explícito de cada ato sexual”. Ao contrário, o matrimônio conserva seu caráter essencial mesmo quando é sem filhos. Recorda-se, além disso, a legitimidade do respeito pelos tempos naturais de infertilidade.

As redes sociais e a urgência de uma nova pedagogia

Todavia, “no contexto do individualismo consumista pós-moderno”, que nega o fim unitivo da sexualidade e do matrimônio, como preservar a possibilidade de um amor fiel? A resposta, afirma o documento, encontra-se na educação: “O universo das redes sociais, onde o pudor desaparece e proliferam as violências simbólicas e sexuais, mostra a urgência de uma nova pedagogia”. É preciso, portanto, “preparar as gerações para acolher a experiência amorosa como mistério antropológico”, apresentando o amor não como mera pulsão, mas como chamado à responsabilidade e “capacidade de esperança de toda a pessoa”. A educação para a monogamia não é “arcaísmo”, nem “coerção moral”, mas constitui “uma iniciação à grandeza de um amor que transcende a imediatidade” e antecipa, de certo modo, “o próprio mistério de Deus”.

A atenção aos pobres, “antídoto” à endogamia

A caridade da união conjugal também se manifesta nos casais que não se fecham em seu individualismo, mas se abrem a projetos compartilhados para “fazer algo belo pela comunidade e pelo mundo”, pois “o ser humano realiza a si mesmo colocando-se em relação com os outros e com Deus”. De modo diverso, trata-se apenas de egoísmo, autoreferencialidade, endogamia a ser combatida, por exemplo, praticando “o sentido social” do casal que se empenha, conjuntamente, na busca do bem comum. Central, nesse âmbito, é a atenção aos pobres, os quais — como afirmou Leão XIV — são “uma questão familiar” do cristão, não um mero “problema social”.

O amor conjugal como promessa de infinito

Concluindo, a Nota reafirma que “todo matrimônio autêntico é uma unidade composta por dois indivíduos, que exige uma relação tão íntima e totalizante que não pode ser compartilhada com outros”. Portanto, entre as duas propriedades essenciais do vínculo matrimonial — unidade e indissolubilidade — é a primeira que fundamenta a segunda: a fidelidade é possível somente a partir de uma comunhão escolhida e renovada. Somente assim o amor conjugal será uma realidade dinâmica, chamada a um crescimento e a um desenvolvimento contínuos no tempo, em uma “promessa de infinito”.

Do Livro do Gênesis ao magistério dos Papas

Destaca-se que a Nota oferece também um amplo excursus teológico, filosófico e poético sobre o tema da monogamia, a partir do capítulo 2 do Gênesis (“Os dois serão uma só carne”) e passando pelos Padres da Igreja, entre os quais Santo Agostinho, que descreve a beleza da unidade conjugal como “um caminhar juntos, lado a lado”. Não faltam, depois, referências aos principais pronunciamentos magisteriais sobre o tema: de Leão XIII, que liga a defesa da monogamia à defesa da dignidade da mulher, a Pio XI, autor da encíclica Casti connubii. São numerosas, ainda, as citações do Concílio Vaticano II, nas quais se evidencia como o amor monogâmico é espelho da “igual dignidade de cada um dos cônjuges”.

Paulo VI e João Paulo II

Ulteriores reflexões surgem a partir de passagens de São Paulo VI que, na encíclica Humanae vitae, sublinha sim o significado procriativo do matrimônio, mas, ao mesmo tempo, mostra também outro, inseparável do primeiro, isto é, o significado unitivo. De São João Paulo II recorda-se, por sua vez, a “hermenêutica do dom”: o ser humano, imagem de Deus, foi criado para doar-se ao outro e somente nessa doação de si realiza o verdadeiro significado de sua existência. Além disso, porque Deus fez o homem à sua semelhança criando-o homem e mulher, daí decorre que “a humanidade, para se assemelhar a Deus, deve ser um casal”.

O jovem Karol Wojtyła

De Karol Wojtyła retoma-se também a reflexão filosófica realizada quando jovem bispo, particularmente o “princípio personalista” que exige “tratar a pessoa de modo correspondente ao seu ser” e não como “um objeto a serviço de outra pessoa”, como acontece na poligamia. Ao mesmo tempo, o futuro Pontífice nega a tese rigorista que vê a sexualidade matrimonial apenas como finalidade procriativa, sustentando, ao contrário, que “existe uma alegria conforme” tanto à união física quanto à dignidade da pessoa. Porque o outro pode ser amado como pessoa e, “ao mesmo tempo, desejado”.

 

 

 

 

Deixe o seu comentário





* campos obrigatórios.


O período de verificação do reCAPTCHA expirou. Por favor, recarregue a página.