Acolhimento e escuta
Os seis membros da ECA expressaram unanimemente satisfação pela audiência com Leão XIV — por sua postura, abordagem e capacidade de ouvir.
Gemma Hickey, vítima de abusos em Newfoundland e Labrador (Canadá) por parte de um sacerdote que foi primeiro afastado e depois transferido para duas paróquias, afirmou: “O Papa Leão foi muito aberto, e cada um de nós pôde compartilhar reflexões pessoais. Ele foi muito caloroso. Escutou-nos… Também tem um ótimo senso de humor. É realmente humilde.” Ao Papa, o grupo leu uma declaração própria, para iniciar a audiência “de mente aberta”, e apresentou o projeto Iniciativa Tolerância Zero, destacando “a importância de padrões globais coerentes e políticas centradas nas vítimas”. Durante o encontro, também se falou sobre o trabalho da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores, que na semana passada apresentou seu segundo relatório anual. O Papa sugeriu que houvesse um “diálogo” entre os dois organismos.
“Foi uma conversa profundamente significativa. Reflete um compromisso compartilhado com a justiça, a cura e uma mudança verdadeira”, afirmou ainda Hickey. “Os sobreviventes há muito tempo buscam um lugar à mesa das negociações, e hoje nos sentimos ouvidos.”
Um diálogo direto e respeitoso
O encontro de hoje, como mencionado, nasceu de uma carta enviada pela ECA ao recém-eleito Pontífice. Inspirados pelas palavras de Robert Francis Prevost, pronunciadas na Loggia das Bênçãos, os membros da entidade se apresentaram “como construtores de pontes, prontos para caminhar juntos rumo à verdade, à justiça e à cura”. Em tempos tão “polarizados”, escreveram, “o ato mais radical que podemos fazer agora é sentar e conversar”. O Papa respondeu “positivamente” à carta e, com um “gesto de abertura”, aceitou a oportunidade de “um diálogo direto e respeitoso sobre os caminhos a seguir”. Daí surgiu a reunião privada no Palácio Apostólico, que durou cerca de uma hora, mas foi densa em testemunhos e propostas. “Viemos não apenas para expressar nossas preocupações, mas também para avaliar como podemos colaborar para garantir a proteção de crianças e adultos vulneráveis em todo o mundo”, afirmou Janet Aguti, de Uganda, vice-presidente do conselho da ECA.
Não havia “raiva”, esclareceu novamente Gemma, mas apenas “esperança” de responsabilidade e mudança duradoura: “Acreditamos na dignidade intrínseca de cada criança e adulto vulnerável, na coragem de cada sobrevivente e na responsabilidade moral da Igreja de agir com transparência e compaixão. Nossa missão é apoiar os que sofreram danos, promovendo reformas que protejam os mais frágeis e contribuindo para restaurar a confiança e a integridade de uma instituição que sabemos ser capaz de realizar grandes coisas.”
Vontade de trabalhar juntos
O objetivo, acrescentou Tim Law, cofundador e membro do conselho da ECA nos EUA, “não é o confronto, mas sim a responsabilidade, a transparência e a disposição de trabalhar juntos para encontrar soluções”. Isso não é pouco, considerando que muitos — como relataram —, ao buscarem ajuda, encontraram apenas um muro. “Como sobrevivente de uma escola residencial, carrego o peso do trauma intergeracional causado por instituições que deveriam nos proteger. O encontro de hoje é mais um passo rumo à verdade e à reconciliação”, destacou a canadense Evelyn Korkmaz.
Já Matthias Katsch, da Alemanha, explicou que pediram ao Pontífice que oferecesse “esperança”, entendida como “justiça”, “indenizações” e “melhores proteções para crianças e adultos vulneráveis”. “Hoje, não basta mais que os sobreviventes falem”, acrescentou. “É necessário que a sociedade escute.” Não é apenas a Igreja — é toda a sociedade, inclusive a italiana — que precisa estar disposta a ouvir e tirar consequências do que os sobreviventes revelaram.
Durante a conferência, também falou Francesco Zanardi, membro da ECA e da associação Rete L’Abuso, que anunciou a elaboração de um relatório sobre os casos de abuso e pedofilia clerical na Itália.
A organização concluiu o encontro “ressaltando a urgente necessidade de um diálogo contínuo, compassivo e colaborativo, para construir um futuro em que segurança, responsabilidade e dignidade não sejam apenas defendidas, mas em que as vozes dos sobreviventes sejam exemplo para todos”.