Francisco, promotor da misericórdia e peregrino da esperança
Miserando atque eligendo – olhando-o com misericórdia o escolheu. Esse comentário de São Beda a respeito do chamado que Jesus fez a Mateus (cf. Mt 9,9) ressoou profundamente no coração do jovem argentino Jorge Mario Bergoglio que, decidido a consagrar sua vida ao sacerdócio, foi eleito, mais tarde, o primeiro papa latino-americano e jesuíta da história em março de 2013 após a inesperada renúncia de Bento XVI, adotando o inédito nome de Francisco, em referência ao grande Santo italiano do século XIII.
De fato, a misericórdia esteve no centro da espiritualidade e do ministério de Francisco que, à frente da Igreja, pregou a acolhida, o diálogo e o respeito, enxergando nos outros, antes de qualquer diferença, uma pessoa criada à imagem e semelhança de Deus. Ao proclamar um Jubileu extraordinário em 2015, escolhendo como tema justamente a misericórdia, ele recordou que ela está no centro da vida cristã: “A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo assume o comportamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos sem excluir ninguém. No nosso tempo, em que a Igreja está comprometida na nova evangelização, o tema da misericórdia exige ser reproposto com novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada. É determinante para a Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia. A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente a estrada para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia. A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo” (Misericordiae vultus 12).
Porque o amor vem em primeiro lugar, Francisco insistiu também na promoção do cuidado, que manifesta concretamente o amor divino. O ser humano que não sabe cuidar do que está ao seu redor enquanto dádiva do Criador, no fundo, não compreendeu a mensagem do Evangelho. Com essa consciência, papa Bergoglio publicou as encíclicas Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum (2015) e Fratelli tutti sobre a fraternidade e a amizade social (2020). Na perspectiva cristã, o cuidado em relação aos outros e ao meio-ambiente nasce do cuidado que Deus mesmo dispensa todos os dias a cada um de seus filhos e filhas. Proclamando mais uma vez esse amor incondicional do Senhor para conosco, Francisco publicou ainda uma outra encíclica, como chave de leitura para todo o seu magistério: Dilexit nos (2024): “‘Amou-nos’, diz São Paulo referindo-se a Cristo (Rm 8,37), para nos ajudar a descobrir que nada ‘será capaz de separar-nos’ desse amor (Rm 8,39). Paulo afirmava-o com firme certeza, porque o próprio Cristo tinha garantido aos seus discípulos: ‘Eu vos amei’ (Jo 15,9.12). Disse também: ‘Chamei-vos amigos’ (Jo 15,15). O seu coração aberto precede-nos e espera-nos incondicionalmente, sem exigir qualquer pré-requisito para nos amar e oferecer a sua amizade: Ele amou-nos primeiro (cf. 1Jo 4,10). Graças a Jesus, ‘conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele’ (1Jo 4,16)” (Dilexit nos 1).
A misericórdia e o cuidado no pontificado de Francisco, mais do que em discursos, se manifestaram também em ações. Uma sua postura significativa, que ele manifestou desde o início com gestos e palavras foi a alegria. Para o Papa argentino, a alegria não é um apêndice no processo de evangelização, mas algo de essencial, por isso, intitulou sua primeira exortação apostólica como Evangelii gaudium – a alegria do Evangelho. O encontro pessoal com Jesus Cristo vivo não pode gerar outra coisa senão um coração alegre, porque o mistério pascal ilumina toda a vida do cristão. Ao escrever sobre a santidade, defendeu, inclusive, o bom humor como manifestação de quem fez uma experiência profunda de Deus (cf. Gaudete et exsultate 122-128).
No entanto, Francisco bem sabia que, em um mundo marcado pela dor e pelo sofrimento, viver na perspectiva da alegria torna-se um desafio para muitos. Por isso, não deixou de nos apontar a via da esperança em todas as fases de seu ministério petrino: desde o início – “Não deixemos que nos roubem a esperança” (Evangelii gaudium 86) –, passando pela pandemia de coronavírus que assolou o mundo, até a recente convocação para o Jubileu que estamos vivendo – “Com efeito, a esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do Coração de Jesus traspassado na cruz […] a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino” (Spes non confundit 3). É com essa mesma esperança que ele procurou conduzir a Igreja, não obstante incompreensões não somente externas, mas também internas, essa esperança que Francisco teimou em suscitar no coração de cada cristão, de cada homem e mulher de boa vontade, uma esperança que é âncora, sobretudo, para os mais pobres – jamais esquecidos por ele – e para os que desejam ardentemente a paz e a justiça para um mundo ferido pela guerra e pela indiferença. Desta forma, Francisco consumou sua vida e seu ministério como verdadeiro “peregrino da esperança”. Promotor da misericórdia e da paz, segundo as bem-aventuranças, agora ouve do Senhor: “Alegra e exulta, porque grande é a tua recompensa nos céus” (cf. Mt 5,12).
Pe. Éverton Machado dos Santos
Estudos em Roma
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