300 anos de bênçãos
Com alegria, nossa Diocese de São José dos Campos se junta a toda Igreja Católica do Brasil para, neste ano de 2017, celebrar os 300 ANOS DO ENCONTRO DA IMAGEM DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA no rio Paraíba, no ano de 1717. Por isso dizemos que foram 300 anos de bênçãos e de graças para o povo brasileiro. Para comemorar com maior solenidade essa efeméride, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – convocou um ANO MARIANO, que estamos prestes a encerrar.
O Ano Mariano foi vivenciado desde 12 de outubro do ano passado e vai se encerrar no dia 11 de outubro deste ano. Na convocação para o Ano, dizia a CNBB: “… como no episódio da pesca milagrosa narrada pelos Evangelhos, também os nossos pescadores passaram pela experiência do insucesso. Mas, também eles, perseverando em seu trabalho, receberam um dom muito maior do que poderiam esperar: ‘Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe’. Tendo acolhido o sinal que Deus lhes tinha dado, os pescadores tornam-se missionários, partilhando com os vizinhos a graça recebida. Trata-se de uma lição sobre a missão da Igreja no mundo: ‘O resultado do trabalho pastoral não se assenta na riqueza dos recursos, mas na criatividade do amor’ (Papa Francisco)”. O leve sorriso presente na Imagem reflete o carinho e a alegria de Deus por cada um de nós.
Muitos peregrinos, devotos e romeiros de Nossa Senhora Aparecida, acorrem ao seu Santuário Basílica, em Aparecida, cidade paulista, no Vale do Paraíba, para homenagear e render piedosa devoção à Mãe do Redentor, Mãe dos brasileiros, e confiando na sua maternal proteção e poderosa intercessão, buscam consolo em suas angústias e tribulações, refúgio nos momentos difíceis e uma verdadeira e singela devoção àquela que soube e quis fazer sempre a vontade de Deus. Adentrar ao seu Santuário Basílica é um gesto visível e piedoso da grande devoção que os brasileiros e brasileiras têm por sua Rainha e Padroeira. São muitos os que se dirigem à capital mariana do Brasil, capital da fé e lugar de mística. Anualmente acorrem ao trono da Mãe Aparecida 12 milhões de pessoas, segundo as estatísticas oficiais do Santuário Nacional. O piedoso gesto de peregrinar ao Santuário tem as suas origens já no início da história do povo de Israel e do próprio cristianismo. Peregrinar significa colocar-se a caminho de um determinado lugar santo. Israel subia em peregrinação à Jerusalém para oferecer sacrifícios e honrar o nome de Deus no Santuário. Já Santa Helena, a mãe do Imperador Constantino, realizara, segundo os relatos atuais, a primeira peregrinação à Terra Santa; o destino foi o Santo Sepulcro. Peregrinar é um dos meios que nos faz pensar na conversão diária. Os cristãos caminham rumo à pátria definitiva, ou seja, à eternidade. O gesto de colocar-se em movimento é dizer que almejamos um encontro pessoal com Jesus Cristo.
A Igreja, quando invoca Maria como “Mãe de Deus” e venera/considera nela a mais alta dignidade conferida a uma criatura, não lhe atribui, portanto, um culto igual ao das Pessoas divinas. Há uma distância infinita entre a veneração mariana e a adoração que é dirigida a Deus. Entretanto, entre o culto mariano e o prestado a Deus há uma continuidade, pois, a honra devida a Maria está ordenada e conduz à adoração da Santíssima Trindade. É o Concílio Vaticano II que, em perspectiva cristológica, afirma que “o nosso mediador é só um, segundo a palavra do Apóstolo: ‘não há senão um Deus e um mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou a Si mesmo para redenção de todos’ (cf. 1 Tm 2, 5-6). Mas a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens se deve ao ‘consentimento’ divino e não a qualquer necessidade; deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na Sua mediação e dela depende inteiramente”(cf. LG, 60). Longe de ser um obstáculo ao exercício da única mediação de Cristo, a Igreja recorre a Maria, “para mais intimamente aderir com esta ajuda materna ao seu Mediador e Salvador” (cf. LG, 62). Nessa perspectiva, Maria desempenha a sua ação materna de continuar apresentando o Senhor Jesus e tudo o que o seu coração desejar transmitir à humanidade.
A Igreja ainda acredita que Maria, depois de elevada ao céu como filha de Deus Pai, não abandonou a missão salvadora de Deus Filho, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons advindos do Deus Consolador. Ela continua a zelar com amor materno os fiéis que, entre perigos e angústias, caminham ainda na Terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira (cf. LG, 62). Maria é a Mãe da Igreja por ser a Mãe de Cristo, Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo Místico.
Durante o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI declarou solenemente que: Maria é Mãe da Igreja, isto é, Mãe de todo o povo cristão, tanto dos fiéis como dos pastores (21 de novembro de 1964). Em 30 de junho de 1968, no Credo do Povo de Deus, ele repetiu essa verdade de forma ainda mais forte: “Nós acreditamos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no Céu a sua missão maternal em relação aos membros de Cristo, cooperando no nascimento e desenvolvimento da vida divina nas almas dos remidos.”
A presença da Virgem Maria é tão forte e indissociável do mistério de Cristo e da Igreja que Paulo VI no discurso de 21 de novembro de 1964 afirmou que: “O conhecimento da verdadeira doutrina católica sobre a Bem-aventurada Virgem Maria continuará sempre uma chave para a compreensão exata do mistério de Cristo e da Igreja”. Conhecer Maria “segundo a doutrina católica” é conhecer Jesus e a Igreja, pois Maria foi peça chave, indispensável, no plano de Deus para a Redenção da humanidade. “Na plenitude dos tempos, Deus mandou o seu Filho, nascido de uma mulher, para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4,4). Ou como diz o Símbolo Niceno-constantinopolitano, falando de Jesus: O qual, “por amor de nós homens e para nossa salvação desceu dos céus e se encarnou pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria”.
Desde os primeiros séculos do Cristianismo, Maria é reconhecida e chamada pelos cristãos de Mãe de Deus “Theotókos”. Desde o final do século II, os cristãos do Egito e do norte da África, onde havia mais de 400 comunidades cristãs, já a invocavam como Mãe de Deus, na oração que talvez seja a mais antiga que a Igreja conhece: “Debaixo de Vossa proteção nos refugiamos Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, Virgem gloriosa e bendita”.
Para cumprir a missão extraordinária de Mãe de Deus, Maria foi enriquecida por Deus com todas as graças, e de modo especialíssimo com a graça de nunca conhecer o pecado: nem o original e nem o pessoal. Foi concebida no seio de sua Mãe, Santa Ana, sem a culpa original. O Dogma da Imaculada Conceição de Maria, reconhecido pela Igreja desde os primeiros séculos, foi proclamado solenemente pelo Papa Pio IX em 8 de dezembro de 1854, através da Bula Ineffabilis Deus: “Nós declaramos, decretamos, e definimos que… Em virtude dos méritos de Jesus Cristo… A Bem-aventurada Virgem Maria foi preservada de toda mancha do pecado original no primeiro instante de sua conceição…”.
Maria é aquela Mulher que atravessa toda a história da salvação do Gênesis ao Apocalipse. Ela é a Mulher que vence a Serpente que havia vencido a mulher: “Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). Quando Jesus chama a sua Mãe de Mulher, é para nos indicar quem é a grande Mulher predileta de Deus. “Mulher, isto compete a nós? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19,26). Maria é a Virgem que o profeta anunciou que haveria de conceber e dar à luz um Filho, cujo nome é Emanuel (cf. Is 7,14; Mq 5,23 ; Mt 1,22-23). Pela primeira virgem entrou o pecado na história dos homens, e com ele a morte (Rm 6,2); pela nova Virgem entrou a salvação e a vida eterna. Foi ela quem deu a carne ao Filho de Deus, para que mediante os mistérios da carne libertasse o homem do pecado (LG, 55). Sem isso, Cristo não poderia ser o grande e eterno Sacerdote da Nova Aliança. Eis aí o papel indispensável de Maria. Como diziam os Santos Padres: “Maria não foi instrumento meramente passivo nas mãos de Deus, mas cooperou na salvação dos homens com fé livre e com inteira obediência” (LG, 56). Quis, porém, o Pai das misericórdias que a Encarnação fosse precedida da aceitação por parte da Mãe predestinada, a fim de que, assim como uma mulher tinha contribuído para a morte, também outra mulher contribuísse para a vida (Idem).
E o Papa Bento XVI, em 2008, na audiência de início de ano dizia: “Ontem celebramos a solene festa de Maria, Mãe de Deus. “Mãe de Deus”, Theotókos, é o título atribuído oficialmente a Maria no século V, exatamente no Concílio de Éfeso de 431, confirmado pela devoção do povo cristão já a partir do século III, no contexto dos intensos debates daquele período sobre a pessoa de Cristo. Com aquele título ressaltava-se que Cristo é Deus e nasceu realmente de Maria como homem: na verdade, por mais que o debate parecesse verter sobre Maria, ele dizia respeito essencialmente ao Filho. Querendo salvaguardar a plena humanidade de Jesus, alguns Padres sugeriam uma palavra menos forte: em vez do título de Theotókos, propunham o de Christotókos, “Mãe de Cristo”; mas justamente essa sugestão foi vista como uma ameaça à doutrina da plena unidade da divindade com a humanidade de Cristo. Por isso, depois do amplo debate, no Concílio de Éfeso de 431, como disse, foi solenemente confirmada, por um lado, a unidade das duas naturezas, a divina e a humana, na pessoa do Filho de Deus (cf. DS, n. 250) e, por outro, a legitimidade da atribuição à Virgem do título de Theotókos, Mãe de Deus (ibid., n.251). Depois deste Concílio registou-se uma verdadeira explosão de devoção mariana e foram construídas numerosas igrejas dedicadas à Mãe de Deus. Entre elas sobressai a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. A doutrina relativa à Maria, Mãe de Deus, encontrou além disso nova confirmação no Concílio de Calcedônia (451), no qual Cristo foi declarado “verdadeiro Deus e verdadeiro homem (…) nascido de Maria Virgem e Mãe de Deus, na sua humanidade, para nós e para a nossa salvação” (DS, n. 301).
Como se sabe, o Concílio Vaticano II reuniu num capítulo da Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, o oitavo, a doutrina sobre Maria, reafirmando a sua divina maternidade. O capítulo intitula-se: “A Bem-Aventurada Virgem, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja”. A qualificação de Mãe de Deus, tão profundamente ligada às festividades do Natal, é portanto o apelativo fundamental com o qual a Comunidade dos crentes honra, poderíamos dizer, desde sempre a Virgem Santa. Ela exprime bem a missão de Maria na história da salvação. Todos os outros títulos atribuídos a Nossa Senhora encontram o seu fundamento na sua vocação para ser Mãe do Redentor, a criatura humana eleita por Deus para realizar o plano de salvação, centrado no grande mistério da encarnação do Verbo divino. Nestes dias de festa detemo-nos para contemplar no presépio a representação da Natividade. No centro desse cenário encontramos a Virgem Mãe que oferece o Menino Jesus à contemplação de quantos vão adorar o Salvador: os pastores, o povo pobre de Belém, os Magos que vieram do Oriente. Mais tarde, na festa da “Apresentação do Senhor”, que celebraremos em dois de fevereiro, serão o velho Simeão e a profetisa Ana que receberão das mãos da Mãe o pequeno Menino e O adorarão.
A devoção do povo cristão considerou sempre o nascimento de Jesus e a maternidade divina de Maria como dois aspectos do mesmo mistério da encarnação do Verbo divino e por isso nunca considerou a Natividade como algo do passado. Nós somos “contemporâneos” dos pastores, dos magos, de Simeão e de Ana. Ao irmos com eles, estamos cheios de alegria, porque Deus quis ser o Deus conosco e ter uma mãe, que é a nossa mãe. Do título de “Mãe de Deus” derivam depois todos os outros títulos com que a Igreja honra Nossa Senhora, mas esse é o fundamental. Pensemos no privilégio da “Imaculada Conceição”, isto é, no fato de Ela ser imune ao pecado desde a sua conceição: Maria foi preservada de qualquer mancha de pecado porque devia ser a Mãe do Redentor. O mesmo é válido para o título da “Assunção”: Aquela que tinha gerado o Salvador não podia estar sujeita à corrupção derivante do pecado original. E sabemos que todos esses privilégios não são concedidos para afastar de nós Maria, mas ao contrário, para torná-la mais próxima; de fato, estando totalmente com Deus, essa Mulher está muito próxima de nós e ajuda-nos como mãe e como irmã. Também o lugar único e irrepetível que Maria ocupa na Comunidade dos crentes deriva desta sua vocação fundamental para ser a Mãe do Redentor. Precisamente como tal, Maria é também a Mãe do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. Justamente por isso, durante o Concílio Vaticano II, a 21 de novembro de 1964, Paulo VI atribuiu solenemente a Maria o título de “Mãe da Igreja”. Precisamente porque é Mãe da Igreja, a Virgem é também Mãe de cada um de nós, que somos membros do Corpo místico de Cristo. Da Cruz, Jesus confiou a Mãe a cada um dos seus discípulos e, ao mesmo tempo, confiou cada discípulo ao amor da sua Mãe. O evangelista João conclui a breve e sugestiva narração com as palavras: “E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-A em sua casa” (Lc 19, 27). Desta forma, faz parte da sua vida e as duas vidas compenetram-se; e esse aceitá-la (εiς tά íδια) na própria vida é o testamento do Senhor. Portanto, no momento supremo do cumprimento da missão messiânica, Jesus deixa a cada um dos seus discípulos, como herança preciosa, a sua própria Mãe, a Virgem Maria”.
Que a Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida, abençoe a todos e todas.
Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB
Bispo Diocesano