O cuidado com a nossa casa
Nestes dias o Papa Francisco publicou sua nova Encíclica LAUDATO SI’ – Louvado sejas – que tem como tema fundamental o cuidado com a obra criada por Deus.
Normalmente, os documentos pontifícios são conhecidos pelas primeiras palavras em latim, mas neste, como já fizeram outros papas, o Papa Francisco quis utilizar a língua italiana, lembrando o hino cantado por São Francisco de Assis, no seu cântico das Criaturas.
A Encíclica do Papa – LAUDATO SI’, sobre o cuidado da casa comum –, nos seus seis capítulos propõe um conceito concreto: ecologia integral, novo paradigma de justiça.
Assim, o Papa coloca-se na esteira de Francisco de Assis e inspira-se no Cântico das Criaturas para recordar que a terra “se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma mãe, que nos acolhe nos seus braços”. Esta terra agora está maltratada e saqueada e ouvem-se os gemidos dos abandonados do mundo – escreve o Papa Francisco.
É preciso uma “conversão ecológica” – evidencia o Papa na sua Encíclica –, uma “mudança de rumo”, para que o homem assuma a responsabilidade de um compromisso para o cuidado da casa comum. Um compromisso para erradicar a miséria e promover a igualdade de acesso para todos aos recursos do planeta.
“Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?” Este interrogativo é o âmago da LAUDATO SI’. Que prossegue: “Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária”, e isso conduz a interrogar-se sobre o sentido da existência e sobre os valores que estão na base da vida social: “Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra?” “Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo,– diz o Pontífice –, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam surtir efeitos importantes”.
A Encíclica faz, assim, um diagnóstico minucioso dos males do planeta: poluição, mudanças climáticas, desaparecimento da biodiversidade, débito ecológico entre o Norte e o Sul do mundo, antropocentrismo, predomínio da tecnocracia e das finanças que leva a salvar os bancos em detrimento da população, propriedade privada não subordinada ao destino universal dos bens. Sobre tudo isto parece prevalecer uma cultura do descartável, algo que leva a explorar as crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à escravidão, a praticar o comércio dos diamantes de sangue. É a mesma lógica de muitas máfias – escreve o Papa Francisco. É, pois, necessária nova economia, mais atenta à ética.
A Encíclica sublinha que se deve investir na formação tendo em vista uma ecologia integral, para compreender que o ambiente é um dom de Deus, uma herança comum que se deve administrar e não destruir. E bastam pequenos gestos quotidianos: fazer a coleta diferenciada dos lixos, não desperdiçar água e alimentos, apagar luzes inúteis, agasalhar-se um pouco mais em vez de acender o aquecedor. Desta forma, poderemos sentir que “temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo e que vale a pena sermos bons e honestos”. A Encíclica convida, assim, a praticarmos os sacramentos, em particular a Eucaristia, que “une céu e terra e nos orienta a ser guardiães de toda a Criação”. Então, LAUDATI SI’, conclui o Papa Francisco, porque “para além do sol, no final, nos encontraremos face a face com a beleza de Deus”.
O Papa Francisco se dirige certamente aos fiéis católicos, retomando as palavras de São João Paulo II: “os cristãos, em particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé”, mas se propõe “especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum”. Desde o início, o Papa Francisco recorda que também “outras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa” sobre o tema da ecologia. Ou melhor, assume explicitamente sua contribuição a partir do que foi dito pelo “amado Patriarca Ecumênico Bartolomeu”, amplamente citado nos nn. 8‐9. Em vários trechos, o Pontífice agradece aos protagonistas deste esforço – sejam indivíduos, sejam associações ou instituições –, reconhecendo que “a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões” e convida todos a reconhecer “a riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do gênero humano”.
O itinerário da Encíclica é traçado no n. 15 e se desenvolve em seis capítulos. Passa-se de uma análise da situação a partir das melhores aquisições científicas hoje disponíveis (cap. 1), ao confronto com a Bíblia e a tradição judaico-cristã (cap. 2), identificando a raiz dos problemas (cap. 3) na tecnocracia e num excessivo fechamento autorreferencial do ser humano. A proposta da Encíclica (cap. 4) é a de uma “ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais” (137), indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental. Nesta perspectiva, o Papa Francisco propõe (cap. 5) empreender em todos os níveis da vida social, econômica e política um diálogo honesto, que estruture processos de decisão transparentes, e recorda (cap. 6) que nenhum projeto pode ser eficaz se não for animado por uma consciência formada e responsável, sugerindo ideias para crescer nesta direção em nível educativo, espiritual, eclesial, político e teológico. O texto se conclui com duas orações, uma oferecida à partilha com todos os que acreditam num “Deus Criador Onipotente”, e outra proposta aos que professam a fé em Jesus Cristo, ritmada pelo refrão LAUDATO SI’, com o qual a Encíclica se abre e se conclui.
O texto é atravessado por alguns eixos temáticos, analisados por uma variedade de perspectivas diferentes, que lhe conferem uma forte unidade: “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida”. É um texto belíssimo que somos chamados a ler, refletir e buscar atuar na defesa de nossa casa, o mundo de Deus.
Dom José Valmor Cesar Teixeira, SDB
Bispo diocesano de São José dos Campos